quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Desaparecido


Desaparecido

Sempre que leio nos jornais:
"De casa de seus pais desapar’ceu..."
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.

Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser o próprio arrais.

Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas desprezasse, consciente e forte,
O porto do arrependimento.

Eu, que pudesse, enfim, ser eu!
— Livre o instinto, em vez de coagido.
"De casa de seus pais desapar’ceu..."
Eu, o feliz desaparecido!

Sugestão

Sabe-me a sonho 
Estar aqui, 
De olhos fechados, 
Pensando em ti.

Isto recorda-me
Aquele dia 
Em que te olhava,
Mas não te via. 

Tu perguntaste: 
— Que estás a ver? 
Fechei os olhos 
Sem responder.

A tua voz ... 
Como a senti! 
Vinha de tudo, 
Menos de ti.

Carlos Queirós nasceu em Lisboa em 5 de abril de 1907. Poeta da chamada segunda geração modernista, identificado como um dos grandes nomes da revista Presença, desempenhou importante papel na ligação com os de sua geração e a de Orpheu, designadamente a primeira da cena modernista em Portugal.  Escreveu Desaparecido, publicado em 1935 e Breve tratado de não versificação, de 1948. Morreu em Paris no dia 27 ou 28 de outubro de 1949.