terça-feira, 23 de novembro de 2010

Três poemas de Alberto Caeiro



As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.

Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente.


*

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.

Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...


*

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas  a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto corri o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.


Alberto Caeiro é considerado o "mestre", o nome em torno do qual se determinam os outros heterônimos criados por Fernando Pessoa. Nasceu em abril de 1889 em Lisboa, mas viveu grande parte da sua vida numa quinta no Ribatejo onde viria a conhecer Álvaro de Campos. A sua educação cingiu-se à instrução primária, o que combina com a simplicidade e naturalidade de que ele próprio se reclama. Louro, de olhos azuis, estatura média, um pouco mais baixo que Ricardo Reis, é dotado de uma aparência muito diferente dos outros dois heterônimos. É também frágil, embora não o aparente muito, e morreu, precocemente (tuberculoso), em 1915. O mestre é aquele de cuja biografia menos se ocupou Fernando Pessoa. A sua vida foram os seus poemas, como disse Ricardo Reis. É autor de O guardador de rebanhos, obra aparecida em março do ano anterior ao da sua morte.