segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Dois poemas de Carlos de Oliveira




Estrelas

O azul do céu precipitou-se na janela. Uma
vertigem, com certeza. As estrelas, agora, são
focos compactos de luz que a transparência variável
das vidraças acumula ou dilata. Não cintilam,
porém.
Chamo um astrólogo amigo:
"Então?"
"O céu parou. É o fim do mundo".
Mas outro amigo, o inventor de jogos, diz-me:
"Deixe-o falar. Incline a cabeça para o lado,
altere o ângulo de visão".
Siga o conselho: e as estrelas rebentam num
grande fulgor, os revérberos embatem nos caixilhos
que lembram a moldura dum desenho
infantil.


Entre duas datas, a memória

Arde no lar o fogo antigo
do amor irreparável
e de súbito surge-me o teu rosto
entre chamas e pranto, vulnerável:

Como se os sonhos outra vez morressem
no lume da lembrança
e fosse dos teus olhos sem esperança
que as minhas lágrimas corressem.

Carlos de Oliveira nasceu em Belém, no dia 10 de agosto de 1921 e morreu em Lisboa em 1º de julho de 1981. Seu primeiro livro de poemas foi publicado em 1942, Turismo, com ilustrações de Fernando Namora. Neste gênero publicou ainda Mãe Pobre (1945), Sobre o Lado Esquerdo e Micropaisagem (os dois de 1968); em 1976 reúne toda sua poesia em dois volumes intitulados Trabalho poético