segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Chamada para a 4ª edição do caderno-revista 7faces

Com data ainda por definir-se para o lançamento da sua 4ª edição - mas possivelmente não passe de meados de janeiro de 2012 -, encerra-se amanhã, dia 20 de dezembro, o prazo para que poetas e artistas da imagem enviem seus materiais para possível publicação no caderno-revista 7faces.

O periódico tem tiragem semestral, eletrônica e gratuita e publica poesia e imagens de poetas/artistas de reconhecido nome ou em ascensão e preocupa-se por em diálogo diferentes materiais e faces da arte da palavra e da imagem.

Para envio de material o autor proponente deve enviar o material (de tiragem inédita) e resumo biográfico, ficha de inscrição e declaração de direitos para o e-mail revistasetefaces@ymail.com; não há limites para a quantidade de trabalhos.

Para saber mais e baixar, inclusive, o modelo dos documentos e ficha de inscrição necessários, deve acessar a página do caderno-revista hospedada aqui.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Quatro poemas de "Tradutor de chuvas", de Mia Couto



Frutos

A bondade da mangueira
não é o fruto.

É a sombra.

A térrea,
quotidiana,
abnegada sombra:
no inverso do suor colhida,
no avesso da mão guardada.

Há a estação dos frutos.
Ninguém celebra a estação das sombras.

Assim, o amor e a paixão:
um, fruto; outro, sombra.
A suave e cruel mordedura
do fruto em tua boca:
mais do que entrar em ti
eu quero ser tu.

O que em mim espanta:
não a obra do tempo
mas a viagem do Sol na seiva da árvore

A arte da mangueira
é a veste de sombra
embrulhando o seu ventre solar.

Para o homem
vale a polpa.
Para a terra
só a semente conta.


Números

Desiguais as contas:
para cada anjo, dois demónios.

Para um só Sol, quatro Luas.

Para a tua boca, todas as vidas.

Dar vida aos mortos
é obra para infinitos deuses.

Ressuscitar um vivo:
um só amor cumpre o milagre.


Tristeza

A minha tristeza
não é a do lavrador sem terra.

A minha tristeza
é a do astrónomo cego.


O bairro da minha infância

Não são as criaturas que morrem.

É o inverso:
só morrem as coisas.

As criaturas não morrem
porque a si mesmas se fazem.

E quem de si nasce
à eternidade se condena.
Uma poeira de túmulo
me sufoca o passado
sempre que visito o meu velho bairro.

A casa morreu
no lugar onde nasci:
a minha infância
não tem mais onde dormir.

Mas eis que,
de um qualquer pátio,
me chegam silvestres risos
de meninos brincando.

Riem e soletram
as mesmas folias
com que já fui soberano
de castelos e quimeras.

Volto a tocar a parede fria
e sinto em mim o pulso
de quem para sempre vive.

A morte
é o impossível abraço da água.

Mia Couto nasceu em Moçambique em 1955. Formado em Biologia, exerceu várias profissões, além da sua área de formação, como a de jornalista e a de professor. É autor de vasta obra que transita entre a prosa e a poesia e com a qual já recebeu alguns importantes prêmios como o Camões (2013). Em poesia publicou Raiz de orvalho,  Tradutor de chuvas, Idades, cidades, divindades e Vagas e lumes.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Dois poemas de João Cabral de Melo Neto




A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.


Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.


Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.


Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.


Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.




A PALAVRA SEDA

A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.

E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.

É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.

E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,

nada tem da superfície
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.

Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,

há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,

de animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza, que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.

João Cabral de Melo Neto nasceu no dia 9 de janeiro de 1920 no Recife. Publicou seu primeiro livro de poemas Pedra do sono em 1942; a partir de então seguiu-se títulos como O engenheiro (1945), O cão sem plumas (1950), O rio (1954), Quaderna (1960), A educação pela pedra (1966), Morte e vida severina e outros poemas em voz alta (1966), Museu de tudo (1975), A escola das facas (1980), Agreste (1985), Crime na Calle Relator (1987), Sevilla andando (1989), entre outros. Morreu no dia 9 de outubro de 1999, no Rio de Janeiro.


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Dois poemas de Irene Lisboa



DESASSOSSEGO

Levanto os olhos.
Tinha-os sobre uma chapinha circunflexa, uma
espécie de oito luminoso, fixos no chão.
Olhos circunvagantes, um momento parados.

Tanta inquietação!
Rodopiante, como as moscas gulosas, teimosas,
insaciáveis.
Coração indefeso...

Agora o sol é já um sapatinho.
Uma meiazinha de criança, minúscula.

Mas de si que deixará esta minaz luta, este desassossego?
Cansaço e severidade.

Agora é uma moeda redondinha.
Cada vez mais pequena.
Luz e forma sempre nova...
Agora é só uma dedada, some-se.
Agora mais nada.
Igualdade.


O BELO VERSO

Apetecia-me escrever um belo verso.
Sonoro, elegante, correcto, de mármore!
Nele por o que outros me inspirassem.
O que ali aquele poeta estava cantando.
Ele o cantava e eu o repetia.
Acrescentava, desdobrava, acrescia da minha ansiedade.
Mas verso bem feito!
Cheio do que se sonha, não do que se sente.
Parece-me pobre o que sinto.
E vulgar.
Estes olhos que sem querer se envidraçam, fúteis,
sem recato, infantis, esta voz insegura, enfim,
tudo isto...
Que figura iriam fazer dentro de um verso elegante, lapidar?
Belo verso trair-te-iam, roubar-te-iam toda a graça
e até a ressonância, o êxtase e aquela espécie de
embalo que ao espírito sempre dás.

Mas sinceramente me apetecia escrever um verso
de mármore, belo!
Tudo, tudo por causa daquele poema...
Daquela exaltação do desejo, daquele arrebatamento lírico, infixo, daquela sensualidade espumosa...
Meu velhíssimo verso falhado, meu, não o dos outros...
Com que te haveria eu de ilustrar?
Com que te encher, meu divino, lúcilo, aéreo,
palavroso poema do nada?

Irene Lisboa nasceu na Quinta da Murzinheira em Arruda dos Vinhos no dia 25 de dezembro de 1892. Foi uma poeta, contista e pedagoga. Fez seus estudos na Escola Normal Primária de Lisboa, em Ciências da Educação na Suíça, França e Bélgica. Estreou na literatura em 1926 com um livro de contos para crianças, Treze contarelos; na poesia, o primeiro a publicar foi Um dia e outro dia... Diário de uma Mulher (1936), publicado sob o pseudônimo de João Falco; com o mesmo pseudônimo publicou ainda Outono havias de vir (1937) e Solidão. Notas do punho de uma mulher (1939). Irene Lisboa morreu em Lisboa no dia 25 de novembro de 1958.





segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Três poemas de Emily Dickinson



249

Noites Loucas — Noites Loucas!
Estivesse eu contigo
Noites Loucas seriam
Nosso luxuoso abrigo!

Para Coração em porto —
Ventos — são coisas fúteis 
Bússolas — dispensáveis 
Portulanos — inúteis!

Navegando em pleno Éden —
Ah, o Mar!
Quem dera — esta Noite — em Ti
Ancorar!


258

Às vezes, em Tardes de Inverno, 
Uma Luz Enviesada — 
Como o Som das Catedrais 
Opressora, Pesada — 

Nos fere com Dor Divina — 
Porém cicatriz não fica 
Senão no fundo de nós, 
Onde o Sentido habita — 

É o Selo do Desespero — 
A ele — Nada lhe Falta — 
Angústia imperial 
Que nos desce do alto 

Quando vem, a Terra atenta — 
Sombras — param no ar — 
Quando vai, é como a Morte 
Ao Longe, a se afastar —


870

Primeiro Ato é achar,
Perder é o segundo Ato,
Terceiro, a Viagem em busca
Do “Velocino Dourado”.

Quarto, não há Descoberta —
Quinta, nem Tripulação —
Por fim, não há Velocino —
Falso — também — Jasão.

Emily Dickinson nasceu a 10 de dezembro de 1830, em Amherst. De vida reclusa, trabalhou continuamente na construção de uma poesia que só se descobriu em sua grande dimensão depois da sua morte; em vida, poucos textos foram publicados sem alcançar reconhecimento.  Sua obra tem sido organizada em cartas, textos esparsos e poemas; neste gênero somam-se mais de mil textos. A poeta estadunidense morreu no dia 15 de maio de 1886.

* Traduções de Paulo Henriques Britto.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Novidades no espaço do Caderno-revista 7faces

Foi inaugurado na web a página do caderno-revista 7faces no Facebook. A proposta é um marco na segunda fase do projeto inicial. Tem por função a descentralização das atividades do periódico em relação às atividades do Blog Letras in.verso e re.verso - sua matriz original.

A página será um espaço que deixará os leitores por dentro de todas essas atividades divulgadas no blog e não somente isso, deverá ser uma rede pública para que autores e leitores confabulem suas ideias, suas obras. Um espaço na web aberto à poesia e às artes plásticas, foco do caderno-revista.

E já agora não deixem de nos seguir.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Cinco sonetos de Walter Benjamin



TIRA-ME AO TEMPO A QUE ESCAPASTE BRUSCO

Tira-me ao tempo a que escapaste brusco
Dá-me de dentro o que teu perto estende
Como a rosa vermelha ao lusco-fusco
Da frouxa ordem das cousas se desprende

Vera afeição e amarga voz ausência
Que sinto calmo e do rubro da boca
Crestada pela rubra incandescência
Com que o cabelo em sombra púrpura toca

A fronte aflita. E a imagem far-me-á falta
De cólera e louvor que me oferecias
No pisar nobre em que levavas a alta

Bandeira cujo signo me anuncias
Só porque em mim pões teu nome bendito
Sem imagens qual Amém aflito


COMO O CORAL ALASTRA A SUA MORTE

Como o coral alastra a sua morte
A arder em árvore púrpura no seio
Do mar com a temente alma no seio
Dos braços rubros presa do mais forte

Com beijo amargo de ruína veio
A ameaça. Ela faz voto de sorte
Que acre tormento a tal mando suporte
E é-lhe paga final receio

Medida no festim desesperado
Na turvação lembra a doçura amena
Bebe o Lethes do tempo perturbado

Qual dando eternidade em mão serena
Dota a alma e a herança distribui
O ser simples de quem recusa flui.


COMO É QUE A SOLIDÃO HEI-DE IR MEDINDO?

Como é que a solidão hei-de ir medindo?
Desse-me os golpes de uso inda esta dor
Um a um sua nudez a sobrepor
Que o ritmo sem nome a foi vestindo

Mas sofro agora o tempo nu saindo
Numa levada sem nenhum teor
Gasto caudal do meu rio interior
Nem chora o peito por mais gritos vindo

Quando é que é novo ano na amargura
Quando volto a chegar-me à desventura
Que me faz falta em ocos dias vis.

Ah quando é que arde escura em cores febris
À testa do ano como a vi na altura
Do agosto em chamas funda cicatriz?


HÁ EM TODA BELEZA UMA AMARGURA

Há em toda a beleza uma amargura
secreta e confundida que é latente
ambígua indecifrável duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscura

Não fica igual aos vivos no que dura
e a não pode entender qualquer vivente
qual no cabelo orvalho ou brisa rente
quanto mais perto mais se desfigura

Ficando como Helena à luz do ocaso
a língua dos dois reinos nâo lhe é azo
senão de apartar tranças ofuscante

Mas à tua beleza não foi dado
qual morte a abrir teu juvenil estado
crescer e nomear-se em cada instante?


VIBRA O PASSADO EM TUDO O QUE PALPITA

Vibra o passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transita

À paz dos seres a morte em seu contínuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento é seu destino:

O cetro dos eleitos que não cansam 
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançam

sobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses têm-no em suas mãos cativo
risível é quem eles mandam vivo. 

Walter Benjamin nasceu em Berlim a 15 de julho de 1892. O reconhecido ensaísta, crítico literário, filósofo e sociólogo também se aventurou no ofício literário, do qual resultou obras como os sonetos aqui apresentados. Morreu a 27 de setembro de 1940, em Portbou, na Espanha. 


* Traduções de Vasco Graça Moura


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Três poemas de Paulo Mendes Campos



Neste soneto

Neste soneto, meu amor, eu digo,
Um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
Que muita coisa bela o verso indaga
Mas poucos belos versos eu consigo.

Igual à fonte escassa no deserto,
Minha emoção é muita, a forma é pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
Só no meu peito vive o verso certo.

Ouço uma voz soprar à frase dura
Umas palavras brandas, entretanto,
Não sei caber as falas de meu canto

Dentro de forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
Das emoções do céu e das terrestres.


Sentimento do tempo

Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce.


Camafeu 

A minha avó morreu sem ver o mar. Suas mãos, arquipélago  de nuvens,  
Matavam as galinhas com asseio; o mar também dá sangue  quando o peixe  
Vem arrastado ao mundo (o nosso mundo); no entanto no mar  é muito diferente.  
As gaivotas, mergulhando, indicam o caminho mais curto entre  dois sonhos  
Mas minha avó era feliz e doce como um nome pintado em uma barca.  
Sua ternura eterna não temia a trombeta do arcanjo e o Dies lrae:  
Sentada na cadeira de balanço, olhava com humor os vespertinos.
Sua figura pertenceu à terra, porém o mar, rainha impaciente,  
0 mar é uma figura de retórica. No porto de Cherburgo, há muitos anos,  
Ouvi na cerração o mar aos gritos, mas minha avó jamais ergueu a voz:  
Penélope cristã, enviuvada, fazia colchas de retalhos fulvos.  
0 mar é uma louça que se parte contra as penhas, enquanto minha avó  
Fechava a geladeira com um jeito suave, anterior às geladeiras.  
Igual ao mar, os dedos da manhã a despertavam num rubor macio;  
Pelo seu corpo quase centenário a invisível vaga do sol se espraiava,  
A carne se aquecia na torrente dos constelados glóbulos do sangue,  
As pombas aclamavam outro dia da crônica do mundo (o nosso mundo)  
E de uma criatura que se orvalha em suas bodas com a terra dos pássaros  
Matutinos, das frutas amarelas, da rosa ensangüentando de vermelho  
0 verde, o miosótis, o junquilho, e em tudo um rumor fresco de águas novas,  
Um verdejar de abóboras, pepinos, um leite grosso e tenro, e minha avó  
Com tímida alegria indo, vindo, a prever e ordenhar um dia a mais,  
Assim como as abelhas determinam mais 24 horas de doçura.  
E enfim no litoral destes brasis, o mar afogueado amando a terra  
Com seu amor insaciável, dando um mundo ao mundo (o nosso mundo)  
E a gravidade intransigente do mistério. Mas minha avó morreu sem ver o mar. 



segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Chamada para a 4ª edição do caderno-revista 7faces



Está aberta desde sexta-feira, dia 14 de outubro de 2011, chamada para publicação na 4ª edição do caderno-revista 7faces, edição prevista para ser lançada em janeiro de 2012. Aceitam-se trabalhos inéditos de poetas de quaisquer partes do mundo, desde que em Língua Portuguesa bem como artes plásticas (fotografia, pintura, grafite etc.).

Para acessar as regulagens e saber de todo processo de submissão, vá aqui.


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Três poemas Mario Quintana




EU QUERIA TRAZER-TE UNS VERSOS MUITO LINDOS

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...

como
uma pobre lanterna que incendiou!


A RUA DOS CATAVENTOS

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!


OS POEMAS

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


Mário Quintana nasceu a 30 de julho de 1906, em Alegrete, Rio Grande do Sul. Leitor exímio, foi autor de mais de uma centena de traduções, incluindo Honoré de Balzac, Marcel Proust, Virginia Woolf e Graham Greene. Figurou em vários jornais do seu tempo como colunista de cultura. Sua atividade com a literatura inclui a escrita de livros para crianças e de poesia, gênero no qual ficou reconhecido pela publicação de vasta obra, das quais se destacam títulos como: A rua dos cataventos (1940), Caderno H (1973), A vaca e o hipogrifo (1977) e Baú de espantos (1986). Morreu a 5 de maio de 1994, em Porto Alegre. 

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Quatro poemas de Wisława Szymborska



REPENSO O MUNDO

Repenso o mundo, segunda edição,
segunda edição corrigida,
aos idiotas o riso,
aos tristes o pranto,
aos carecas o pente,
aos cães botas.

Eis um capítulo: A Fala dos Bichos e das Plantas,
com um glossário próprio
para cada espécie.
Mesmo um simples bom-dia
trocado com um peixe,
a ti, ao peixe, a todos
na vida fortalece.

Essa há muito pressentida,
de súbito revelada,
improvisação da mata.
Essa épica das corujas!
Esses aforismos do ouriço
compostos quando imaginamos
que, ora, está só adormecido!

O tempo (capítulo dois)
tem direito de se meter em tudo, coisa boa ou má.
Porém — ele que pulveriza montanhas
remove oceanos e está
presente na órbita das estrelas,
não terá o menor poder
sobre os amantes, tão nus
tão abraçados, com o coração alvoroçado
como um pardal na mão pousado.

A velhice é uma moral
só na vida de um marginal.
Ah, então todos são jovens!
O sofrimento (capítulo três)
não insulta o corpo.
A morte
chega com o sono.

E vais sonhar
que nem é preciso respirar,
que o silêncio sem ar
não é uma música má,
pequeno como uma fagulha,
a um toque te apagarás.

Morrer, só assim. Dor mais dolorosa
tiveste segurando nas mãos uma rosa
e terror maior sentiste ao som
de uma pétala caindo no chão.

O mundo, só assim. Só assim
viver. E morrer só esse tanto.
E todo o resto — é como Bach
tocado por um instante
num serrote.


DOIS MACACOS DE BRUEGEL

É assim meu grande sonho sobre os exames finais:
sentados no parapeito dois macacos acorrentados,
atrás da janela flutua o céu
e se banha o mar.

A prova é de história da humanidade.
Gaguejo e tropeço.

Um macaco, olhos fixos em mim, ouve com ironia,
o outro parece cochilar —
mas quando à pergunta se segue o silêncio,
me sopra
com um suave tilintar de correntes.


A VIDA NA HORA

A vida na hora
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.

Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável. 
De que trata a peça
devo adivinha já em cena.

Despreparada para a honra de viver, 
mal posso manter o ritmo que peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação. 
Tropeço a cada passo no desenvolvimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.  

Não para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado —
eis os efeitos deploráveis desta urgência.

Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não conheço.

Isso é justo — pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).

É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia. 
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.


RECITAL DA AURORA

Musa, não ser um boxeador é literalmente não existir. 
Nos recusaste a multidão ululante. 
Uma dúzia de pessoas na sala, 
já é hora de começar a fala. 
Metade veio porque está chovendo, 
o resto é parente. Ó Musa. 

As mulheres adorariam desmaiar nesta noite outonal, 
e vão, mas só ao assistir a uma luta colossal. 
Só lá as cenas dantescas. 
E o ascenso aos céus. Ó Musa. 

Não ser boxeador, ser poeta,
estar condenado a duras florbelas, 
por falta de musculatura mostrar ao mundo 
a futura leitura escolar — na melhor das hipóteses — 
Ó Musa. Ó Pégaso, anjo equestre. 

Na primeira fila um velhinho sonha docemente 
que a finada esposa ressuscitou e 
assa para ele um bolo com passas. 
Com fogo, mas não alto, para o bolo não queimar, 
começamos a leitura. Ó Musa.


Poeta e ensaísta, Wisława Szymborska nasceu a 2 de julho de 1923 em Bnin, Polônia. Em 1931 mudou-se com a família para a Cracóvia, onde viveu até 1º de fevereiro de 2012. Estudou Literatura e Sociologia, trabalhou por quase trinta anos na revista literária Zycie Literackie. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1996.

* Traduções de Regina Przybycien

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A 3ª edição do caderno-revista 7faces está online



Já está disponível a terceira edição do caderno-revista 7faces. Uma das edições, talvez, mais arrojada desde que o periódico se apresentou na web a pouco mais de um ano. São convidadas as professoras Conceição Flores, da Universidade Potiguar (UnP) e Ilane Ferreira Cavalcante. As duas redigiram um ensaio que dá contas de uma das faces da poeta potiguar Diva Cunha, a homenageada nessa edição. 

Esse número corresponde ao segundo semestre de 2011. Está aí. Para ser vista. Lida. Comentada. São 14 poetas: Márcio-André, Emanuel R. Marques, Brian Gordon Lutalo Kibuuka, Ivanúcia Lopes, Daniela Antonieta Vidal Ruiz, Tatyanny Nascimento, Flávio Araújo, João Negreiros, Jorge Lucio Campos, Claudia Ricardo do Nascimento, Uzenilda Florentino, Deyvid de Oliveira Pereira, Roberto Bezerra de Menezes e Aníbal Mascarenhas-Filho. Trabalhos com imagem do fotógrafo espanhol Chema Madoz e do artista plástico Paulo Vieira, que pelo significado do seu trabalho recebeu uma sessão extra para o caderno-revista. 

Além dessas vozes poéticas, essa terceira edição do caderno-revista vem com o inédito do poeta potiguar Márcio de Lima Dantas que é publicado como um indexado ao periódico. 

Para visualizar tudo, vá até a página do caderno-revista 7faces.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Booktrailer para "Xerófilo", de Márcio de Lima Dantats

Dia 30 de setembro será apresentado com a terceira edição do Caderno-revista 7faces o inédito do poeta Márcio de Lima Dantas, Xerófilo. Saiba mais informações sobre esta edição aqui.





quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Vídeo para apresentação da 3ª edição do caderno-revista 7faces

A grande quantidade de espaços midiáticos oferecidos hoje pela web nos leva a guiar por um propósito: ocupar é resistir. E é por isso que todas as criações aqui ensaiadas vão sendo postas na maior quantidade de espaços possíveis para que ninguém depois venha queixar de que este é círculo fechado. 

Queremos, isso sim, atingir públicos diversos e atingir públicos de várias formas, afinal, esse parece ser o sentido mais adequado para o uso das brechas oferecidas pela internet e a real necessidade da arte nesse mundo de novas configurações. 

Apresentamos um vídeo sobre a 3ª edição que chega online no próximo dia 30 de setembro, aqui.




segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Lançamento da 3ª edição do Caderno-revista 7faces e outras novidades

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A terceira edição do caderno-revista 7faces está pronta e vem com muitas novidades. O material está mais arrojado. Homenageia a poeta Diva Cunha em dois textos inéditos das professoras Ilane Ferreira e Conceição Flores. Ilane Ferreira é doutora em Educação e professora do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) e Conceição Flores é também doutora em educação e leciona no curso de Letras da Universidade Potiguar (UnP). 

O trabalho de ambas as professores no campo literário é de notável louvor. Uma, publicou em 2008, "O romance da besta fubana": festa, utopia e revolução no interior do Nordeste; a outra, publicou em 2000, Do mito ao romance: uma leitura do Evangelho segundo Saramago, em 2006, As aventuras de Maria Teresa Margarida da Silva Orta em terras de Brasil e de Portugal e, agora, em 2009, publicou em conjunto com Zenóbia Collares e Constância Lima Duarte, o Dicionário de escritoras portuguesas: das origens à atualidade – obra que já é uma referência para ambos países (Brasil e Portugal) e a qual tive o prazer de resenhá-la, resenha, que diga-se, está no prelo para ser publicada em breve.

Soma-se a isso o talento poético de 14 poetas selecionados para esta edição. (É a edição que mais recebeu contribuições e, logo, a que mais deu trabalho na definição dos nomes a serem publicados). E vem com um perfil mais que abrangente. Com trabalhos do Brasil, Portugal e Chile. O caderno-revista, conforme sabemos, comporta poetas de expressão portuguesa de várias partes do mundo.

Dos nomes agora apresentados vale destacar três em particular: um é o poeta Márcio-André, carioca morando em Lisboa, que enviou seus três recortes inéditos da sua já extensa e conceituada bibliografia literária. Basta que se diga que o poeta conta hoje com tradução de sua obra em mais de sete idiomas diferentes e é um dos expoentes da literatura digital no Brasil.

O outro é o poeta português João Negreiros, também um dos poetas que mais acumulam prêmios e que tem uma extensa produção no campo da poesia e do teatro, além do igual interesse pela arte digital. João disponibiliza na web verdadeiros momentos de êxtase poético ao recitar seus trabalhos.

E o outro nome é o do poeta carioca Jorge Lucio de Campos que enviou três trabalhos também inéditos de dois livros seus, A véspera do rosto e Lição de alvura.

E, por fim, vale chamar a atenção para dois trabalhos visuais que ilustram as páginas desta edição: o artista plástico carioca Paulo Vieira enviou um conjunto de desenhos e que aparece num ensaio que batizamos por Paulo Vieira, estudos; e o fotógrafo espanhol Chema Madoz que entra nas páginas dessa edição num diálogo mais que harmônico com a proposta do caderno-revista.

Portanto, não deixem de visualizar esta edição do caderno-revista 7faces que tem seu lançamento acordado para o próximo dia 30 de setembro no espaço em que fica hospedado a ideia, aqui.


sexta-feira, 29 de julho de 2011

Três poemas de Vitorino Nemésio



O BICHO HARMONIOSO

Eu gostava de ter um alto destino de poeta,
Daqueles cuja tristeza agrava os adolescentes
E as raparigas que os lêem quando eles já são tão leves
Que passam a tarde numa estrela,
A força do calor na bica de uma fonte
E a noite no mar ou no risco dos pirilampos.

Assim, gloriosos mas sem porta a que se bata,
Abstractos mas vivos,
Rarefeitos mas com hálito nebuloso nas narinas dos animais,
Insinuado nos lenços das mulheres belas, cheios de lágrimas,
Misturado às ervas grossas da chuva
E indispensável aos heróis que vão rasgar no céu, enfim, o último sulco.

Ser a vida e não ter já vida – era um destino.

Depois, dar a minha Mãe a glória de me ter tido,
A meu Pai, vendado de terra, um halo de minha luz, e tocar tudo,
Onde eu houvesse estado, de uma sagração natural:
Não digo como as Virgens Aparecidas,
Que tornam mudos e radiosos os pastorinhos,
Mas como certo orvalho de que me lembro, em pequeno,
Para lá da janela a luz cortada por chuva,
E uma prima que amei, a rir, molhada, chegando;
Mar ao fundo.

Tudo isto, e vontade de dormir, também em pequenino,
E logo uma mão de mulher pronta a fingir de asa aberta,
E preguiça,
Impressão de morrer do primeiro desgosto de amor
E de ir, vogando, num negrume que afinal é toda a luz que nos fica
Desse amor forrado de desgosto,
Como as estrelas encobertas,
Que, depois de girar a nuvem, mostram como estão altas:
Tudo isto seria aquele poeta que não sou,
Feito graça e memória,
Separado de mim e do meu bafo individualmente podre,
Livre das minhas pretensões e desta noite carcomida
Pelo meu ser voraz que se explora e ilumina.

Mas não. Do canto necessário
Para me diluir em som e no ar que o guardasse
(Como o nervo do degolado alonga em tremor seu pasmo)
Não chego a soltar senão uma vaga nota,
E a noite faz muito bem em vergar uma gruta sem ecos
No meu buraco vil de bicho harmonioso.

Deixarei, estampada pelo silêncio definitivo,
A ramagem fremente dos meus dedos num pouco de terra,
Estranho fóssil!


A CONCHA

A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.


ARTE POÉTICA

A poesia do abstracto?
Talvez.
Mas um pouco de calor,
A exaltação de cada momento,
É melhor.
Quando sopra o vento
Há um corpo na lufada;
Quando o fogo alteou
A primeira fogueira,
Apagando-se fica alguma coisa queimada.
É melhor!
Uma ideia,
Só como sangue de problema:
No mais, não.
Não me interessa.

Uma ideia
Vale como promessa,
E prometer é arquear
A grande flecha.
O flanco das coisas só sangrando me comove,
E uma pergunta é dolorida
Quando abre brecha.
Abstracto!
O abstracto é sempre redução,
Secura.
Perde;
E diante de mim o mar que se levanta é verde:
Molha e amplia
Por isso, não:
Nem o abstracto nem o concreto
São propriamente poesia.
Poesia é outra coisa.

Poesia e abstracto, não.



Vitorino Nemésio nasceu em Praia da Vitória a 19 de dezembro de 1901. Escreveu poesia e prosa (romance, crônica, textos acadêmicos). Sua obra está entre as responsáveis pelas transformações de tendências da revista Presença. Fortemente marcado pelas raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da infância. Dos livros de poesia, podemos citar, entre outros, O bicho harmonioso, seu primeiro título nesse gênero, de 1938, Nem toda a noite a vida (1935), O verbo e a morte (1959), Poemas brasileiros (1972) e Meu coração é como peixe cego (1942). Morreu a 20 de fevereiro de 1978.