segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Chamada para a 4ª edição do caderno-revista 7faces

Com data ainda por definir-se para o lançamento da sua 4ª edição - mas possivelmente não passe de meados de janeiro de 2012 -, encerra-se amanhã, dia 20 de dezembro, o prazo para que poetas e artistas da imagem enviem seus materiais para possível publicação no caderno-revista 7faces.

O periódico tem tiragem semestral, eletrônica e gratuita e publica poesia e imagens de poetas/artistas de reconhecido nome ou em ascensão e preocupa-se por em diálogo diferentes materiais e faces da arte da palavra e da imagem.

Para envio de material o autor proponente deve enviar o material (de tiragem inédita) e resumo biográfico, ficha de inscrição e declaração de direitos para o e-mail revistasetefaces@ymail.com; não há limites para a quantidade de trabalhos.

Para saber mais e baixar, inclusive, o modelo dos documentos e ficha de inscrição necessários, deve acessar a página do caderno-revista hospedada aqui.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Quatro poemas de "Tradutor de chuvas", de Mia Couto



Frutos

A bondade da mangueira
não é o fruto.

É a sombra.

A térrea,
quotidiana,
abnegada sombra:
no inverso do suor colhida,
no avesso da mão guardada.

Há a estação dos frutos.
Ninguém celebra a estação das sombras.

Assim, o amor e a paixão:
um, fruto; outro, sombra.
A suave e cruel mordedura
do fruto em tua boca:
mais do que entrar em ti
eu quero ser tu.

O que em mim espanta:
não a obra do tempo
mas a viagem do Sol na seiva da árvore

A arte da mangueira
é a veste de sombra
embrulhando o seu ventre solar.

Para o homem
vale a polpa.
Para a terra
só a semente conta.


Números

Desiguais as contas:
para cada anjo, dois demónios.

Para um só Sol, quatro Luas.

Para a tua boca, todas as vidas.

Dar vida aos mortos
é obra para infinitos deuses.

Ressuscitar um vivo:
um só amor cumpre o milagre.


Tristeza

A minha tristeza
não é a do lavrador sem terra.

A minha tristeza
é a do astrónomo cego.


O bairro da minha infância

Não são as criaturas que morrem.

É o inverso:
só morrem as coisas.

As criaturas não morrem
porque a si mesmas se fazem.

E quem de si nasce
à eternidade se condena.
Uma poeira de túmulo
me sufoca o passado
sempre que visito o meu velho bairro.

A casa morreu
no lugar onde nasci:
a minha infância
não tem mais onde dormir.

Mas eis que,
de um qualquer pátio,
me chegam silvestres risos
de meninos brincando.

Riem e soletram
as mesmas folias
com que já fui soberano
de castelos e quimeras.

Volto a tocar a parede fria
e sinto em mim o pulso
de quem para sempre vive.

A morte
é o impossível abraço da água.

Mia Couto nasceu em Moçambique em 1955. Formado em Biologia, exerceu várias profissões, além da sua área de formação, como a de jornalista e a de professor. É autor de vasta obra que transita entre a prosa e a poesia e com a qual já recebeu alguns importantes prêmios como o Camões (2013). Em poesia publicou Raiz de orvalho,  Tradutor de chuvas, Idades, cidades, divindades e Vagas e lumes.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Dois poemas de João Cabral de Melo Neto




A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.


Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.


Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.


Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.


Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.




A PALAVRA SEDA

A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.

E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.

É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.

E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,

nada tem da superfície
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.

Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,

há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,

de animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza, que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.

João Cabral de Melo Neto nasceu no dia 9 de janeiro de 1920 no Recife. Publicou seu primeiro livro de poemas Pedra do sono em 1942; a partir de então seguiu-se títulos como O engenheiro (1945), O cão sem plumas (1950), O rio (1954), Quaderna (1960), A educação pela pedra (1966), Morte e vida severina e outros poemas em voz alta (1966), Museu de tudo (1975), A escola das facas (1980), Agreste (1985), Crime na Calle Relator (1987), Sevilla andando (1989), entre outros. Morreu no dia 9 de outubro de 1999, no Rio de Janeiro.