sábado, 29 de janeiro de 2011

Dois poemas de Gilberto Mendonça Teles



PAIXÃO

— Quanto dura uma paixão?

Uma paixão não dura nada, apenas
a eternidade simples de um sorriso
que, por ser belo, e possuir antenas
capta constantemente o paraíso.

Uma paixão é sempre um peixe grande,
uma alegria que se torna amarga
quando se perde a noite e, na manhã
de sol, se perde o anzol na linha larga.

Nem adianta, aí, mudar de isca,
cevar o poço e procurar no fundo:
o peixe da paixão é sombra arisca
na melhor pescaria deste mundo.

Ela não dura muito e, por ser peixe,
não dura na emoção, não dura nada:
se se perde no fundo, é sempre um feixe
de luz
         — alguma escama nacarada,
caco de vidro, areia no sol quente
que cintila e se apaga, de repente.



FALAVRA

Ainda sei da fala e sei da lavra
e sei das pedras nas palavras áspedras.
E sei queo leito da linguagem leixa
pedregulhos na letra.
                                 É como o logro
da poeira na louça ou como o lixo
nos baldios do livro.
Ainda sei da língua e sei da linha
do luxo e suas luvas, amaciando
os calos e os dedais.
                                E sei da fala
e do ato de lavrá-la na falavra.