A CONCHA
Talvez não precises de mim,
Noite; da mundial voragem
Tal como a concha sem
pérolas,
A tua margem fui lançado.
Tu espumas as ondas com indiferença
E cantas
com teimosia,
Mas terás apreço, amarás
Da concha a inútil mentira.
Ao seu lado
deitarás na areia,
Com sua casula te vestirás,
Um indestrutível e grande sino
Com ela na marola erguerás.
E as paredes da frágil concha,
Como a casa de vazio
coração
Encherás com os sussurros da espuma,
Com a chuva, o vento e a bruma...
LENINGRADO
Regressei a minha cidade, conhecida até às lágrimas,
Até as veias, as
inflamadas glândulas das crianças.
Tu regressaste para cá, então bebe de um
gole
O óleo de peixe dos faróis fluviais de Leningrado.
Descubra logo o pequeno
dia de dezembro,
Onde a gema mistura-se ao funesto breu.
Petersburgo! Eu ainda
não quero morrer:
Tu ainda tens de meus telefones os números.
Petersburgo!
Ainda tenho os endereços,
Pelos quais acharei as vozes dos mortos.
Vivo na
escada de fora, e na têmpora
Me golpeia a campainha brutalmente sacada.
E por
toda noite aguardo visitas queridas,
Chacoalhando as correntes das portas.
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Óssip Mandelstam nasceu a 15 de
janeiro de 1891 em Varsóvia. Muito cedo foi viver em São Petersburgo; na
cidade, estuda na prestigiosa Escola Tênichev. Faz parte da sua formação em
literatura em Heidelberg, na Alemanha e em filosofia na Universidade de São
Petersburgo, mas não consegue completar o curso superior. Em 1911 mantém relações
com o Guilda dos Poetas, grupo literário que daria origem ao movimento acmeísta
e revelou a poeta Anna Akhmátova. Sua estreia na poesia se dá dois anos depois
com o livro Pedra; em 1922, publica Tristia, logo reconhecido um
dos mais importes livros da poesia russa. Além da poesia, Mandelstam também
escreveu prosa, como O rumor do tempo (1925). O ano de 1928 foi, para
ele, o dos prodígios: reeditou seu livro de 1925 e publicou Teodósia, A
marca egípcia e Sobre a poesia; reuniu toda sua obra poética em Poemas;
e iniciou a escrita de Quarta prosa, livro que ficou inédito. Morreu a
27 de dezembro de 1938 na prisão aos arredores de Vladivostok.
* Traduções de Francisco Araújo. Estas poemas foram publicados inicialmente na revista Desenredos, de jan.-março de 2010.