TIRA-ME AO
TEMPO A QUE ESCAPASTE BRUSCO
Tira-me ao
tempo a que escapaste brusco
Dá-me de
dentro o que teu perto estende
Como a rosa
vermelha ao lusco-fusco
Da frouxa
ordem das cousas se desprende
Vera afeição
e amarga voz ausência
Que sinto
calmo e do rubro da boca
Crestada
pela rubra incandescência
Com que o
cabelo em sombra púrpura toca
A fronte
aflita. E a imagem far-me-á falta
De cólera e
louvor que me oferecias
No pisar
nobre em que levavas a alta
Bandeira
cujo signo me anuncias
Só porque em
mim pões teu nome bendito
Sem imagens
qual Amém aflito
COMO O CORAL
ALASTRA A SUA MORTE
Como o coral
alastra a sua morte
A arder em
árvore púrpura no seio
Do mar com a
temente alma no seio
Dos braços
rubros presa do mais forte
Com beijo
amargo de ruína veio
A ameaça.
Ela faz voto de sorte
Que acre
tormento a tal mando suporte
E é-lhe paga
final receio
Medida no
festim desesperado
Na turvação
lembra a doçura amena
Bebe o
Lethes do tempo perturbado
Qual dando
eternidade em mão serena
Dota a alma
e a herança distribui
O ser
simples de quem recusa flui.
COMO É QUE A
SOLIDÃO HEI-DE IR MEDINDO?
Como é que a
solidão hei-de ir medindo?
Desse-me os
golpes de uso inda esta dor
Um a um sua
nudez a sobrepor
Que o ritmo
sem nome a foi vestindo
Mas sofro
agora o tempo nu saindo
Numa levada
sem nenhum teor
Gasto caudal
do meu rio interior
Nem chora o
peito por mais gritos vindo
Quando é que
é novo ano na amargura
Quando volto
a chegar-me à desventura
Que me faz
falta em ocos dias vis.
Ah quando é
que arde escura em cores febris
À testa do
ano como a vi na altura
Do agosto em
chamas funda cicatriz?
HÁ EM TODA BELEZA UMA AMARGURA
Há em toda a
beleza uma amargura
secreta e confundida que é latente
ambígua indecifrável duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscura
Não fica igual aos vivos no que dura
e a não pode entender qualquer vivente
qual no cabelo orvalho ou brisa rente
quanto mais perto mais se desfigura
Ficando como Helena à luz do ocaso
a língua dos dois reinos nâo lhe é azo
senão de apartar tranças ofuscante
Mas à tua beleza não foi dado
qual morte a abrir teu juvenil estado
crescer e nomear-se em cada instante?
secreta e confundida que é latente
ambígua indecifrável duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscura
Não fica igual aos vivos no que dura
e a não pode entender qualquer vivente
qual no cabelo orvalho ou brisa rente
quanto mais perto mais se desfigura
Ficando como Helena à luz do ocaso
a língua dos dois reinos nâo lhe é azo
senão de apartar tranças ofuscante
Mas à tua beleza não foi dado
qual morte a abrir teu juvenil estado
crescer e nomear-se em cada instante?
VIBRA O PASSADO EM TUDO O QUE PALPITA
Vibra o
passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transita
À paz dos seres a morte em seu contínuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento é seu destino:
O cetro dos eleitos que não cansam
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transita
À paz dos seres a morte em seu contínuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento é seu destino:
O cetro dos eleitos que não cansam
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançam
sobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses têm-no em suas mãos cativo
risível é quem eles mandam vivo.
é como a cruz que os astros quando avançam
sobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses têm-no em suas mãos cativo
risível é quem eles mandam vivo.
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Walter Benjamin nasceu em Berlim a
15 de julho de 1892. O reconhecido ensaísta, crítico literário, filósofo e sociólogo
também se aventurou no ofício literário, do qual resultou obras como os sonetos
aqui apresentados. Morreu a 27 de setembro de 1940, em Portbou, na Espanha.
* Traduções de Vasco Graça Moura