quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Dois poemas de e. e. cummings


à atemporalidade e ao tempo igual,
o amor não tem início nem final:
se nada andar nadar nem respirar
o amor serão o vento a terra e o mar

(amantes sofrem? cada divindade
lhes veste a pele com mortal vaidade:
amantes são felizes? seu querer
cria universos ao menor prazer)

amor é a voz por trás do que se cala,
esperança que o medo não cancela:
força tão forte que nem força abala:
verdade antes do sol e além da estrela

– amantes amam? ora, o tolo e o esperto
que preguem céu e inferno, tudo certo


*

amo você (mais linda namorada)
como a ninguém na terra inteira e eu
amo-a bem mais que tudo que há no céu

– há luz solar e canto à sua chegada

embora o inverno espalhe em toda parte
tanto silêncio e tanta escuridão
que ninguém mais percebe outra estação

grassar na vida (minha vida à parte) –

e se o que se diz mundo por favor
ou sorte ouvisse o canto (ou visse que
a luz do meio-dia se avizinha
quão mais feliz o coração caminha

a perto de mais perto de você
creria (namorada) só no amor

E. E. Cummings (ou, tal como o poeta se assinava, e. e. cummings) nasceu a 14 de outubro de 1894 em Cambridge. Publicou o primeiro livro em 1923 e desde então constrói uma obra inovadora no âmbito em língua inglesa com forte interesse por uma poesia construtivista. O tratamento experimental estende-se ainda à prosa, gênero também praticado por Cummings. O poeta morreu no dia 3 de setembro de 1962.  


* Traduções de Gil Pinheiro.


Poesia necessária




1
De palavras novas também se faz país
neste país tão feito de poemas
que a produção e tudo a semear
terá de ser cantado noutro ciclo.

2
É fértil este tempo de palavras
em busca do poema
que foge na curva das palavras
usadamente soltas e antigas
distantes das verdades dos rios
do quente necessário das brasas
do latejar silencioso das sementes
dentro da terra
quando chove.

3
Proponho um verso novo
para as laranjas (por exemplo) matinais
e os namorados
com que havemos de encher todos os dias
os mercados.

4
Proponho um verso novo
para as guelra do peixe sem contar
para a abundância da carne
e a liberdade das aves desenhada
no amor das escolas
dos campos
e das fábricas.

5
Proponho um verso novo
para o leite obrigatório em cada dia
e a medalha olímpica
que o riso das crianças já promete.

6
Proponho um verso novo
para o milho a mandioca suculenta
o amadurecido cacho de dendém
alegre na fartura dos dedos
e das bocas.

7
Produzir na palavra
É semear e colher
É cumprir na escrita
A produção.

8
Produzir na palavra
É cantar no poema
Todas as raízes
Deste chão.


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RUI, Manuel. 11 Poemas em Novembro. Luanda: Ed. Lavra e Oficina, 1976