segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Dois poemas de Konstantinos Kaváfis por Haroldo de Campos



O CORTEJO DE DIONISIO

Dâmon, o artífice (não há outro tão apto
lá no Peloponeso), em mármore de Paros
esculpe o cortejo de Dionisio. O deus, glorioso,
excelso, vai adiante, no andar vigoroso.
O Frenesi atrás dele, e a Ebriez a seu lado,
vertendo vinho aos sátiros, de um grande vaso,
uma ânfora estefânia, que de hera se enguirlanda.
Junto deles está, enlanguescendo em branda
moleza, Vinho-mel, as meninas dos olhos
quase ocultas, a meio, como num sonho hipnótico.
E Molpos-Melodia e Harmonia-Hedimélia
a seguir vão cantando, e Kómos, a Comédia,
hílare, jamais deixa extinguir-se essa tocha
que porta na mão, ao caminhar, lampadófora.
Depois vem Teletê – sério Mistério. O artífice
Dâmon fez essas coisas belas. Não resiste,
porém, uma e outra vez, que o veloz pensamento
lhe derive, com ânsia, para o pagamento
que lhe há de dar o rei, senhor de Siracusa:
três talentos, bom prêmio, pela obra conclusa.
Dâmon o meterá em meio a seu tesouro
e viverá na cômoda opulência do ouro.
Até fazer política ele pode agora
– que bom! – e afinal há de ter voz e vez na ágora.


ÍTACA

Quando, de volta, viajares para Ítaca,
roga que tua rota seja longa,
repleta de peripécias, repleta de conhecimentos.
Aos Lestrigões, aos Ciclopes,
ao colérico Posêidon, não temas:
tais prodígios jamais encontrarás em teu roteiro,
se mantiveres altivo o pensamento e seleta
a emoção que tocar teu alento e teu corpo.
Nem Lestrigões, nem Ciclopes,
nem o áspero Posêidon encontrarás,
se não tiveres imbuído em teu espírito,
se teu espírito não os suscitar diante de ti.

Roga que tua rota seja longa,
que, múltiplas, se sucedam as manhãs de verão.
Com que euforia, com que júbilo extremo
entrarás, pela primeira vez, num porto ignoto!
Faze escala nos empórios fenícios
para arrematar mercadorias belas:
madrepérolas e corais, âmbares e ébanos
e voluptuosas essências aromáticas, várias,
tantas essências, tantos arômatas, quantos puderes achar.

Detém-te nas cidades do Egito – nas muitas cidades –
para aprenderes coisas e mais coisas com os sapientes zelosos.
Todo o tempo em teu íntimo Ítaca estará presente.
Tua sina te assina esse destino,
mas não busques apressar tua viagem.
É bom que ela tenha uma crônica longa, duradoura,
que aportes velho, finalmente, à ilha,
rico do muito que ganhaste no decurso do caminho,
sem esperares, de Ítaca, riquezas.
Ítaca te deu essa beleza de viagem.
Sem ela não a terias empreendido.
Nada mais precisa dar-te.

Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu.
Agora tão sábio, tão plenamente vivido,
bem compreenderás o sentido das Ítacas.


Konstantinos Kaváfis nasceu em 29 de abril de 1863 em Alexandria, Egito – cidade onde passou grande parte de sua vida até sua morte em 1933, também num 29 de abril. Nesse período esteve sete anos para estudos na Inglaterra. Escreveu os seus primeiros poemas – em inglês, francês e grego. Trabalhou na Bolsa de Valores do Egito. Os 154 poemas que escreveu durante a vida compõem sua obra nunca foram publicados em livro – circularam em folhetos e sempre foram retrabalhados pelo poeta durante toda vida. Só em 1935, parte desses textos foi reunida numa editio princeps.