quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

6ª edição do caderno-revista 7faces está on-line


Está on-line a nova edição do caderno-revista 7faces; é a sexta edição entre as sete já editadas (a outra foi acadêmica com incursões de renomados ensaístas de Brasil, Argentina e Portugal em torno da poesia de José Saramago). Com rico conteúdo reunindo trabalhos de 22 poetas de Brasil, Portugal e Moçambique - a citar, Ricardo Dantas, Davi Araújo, Tiago Duarte Dias, Adriano Winter, Guerá Fernandes, Joice Berth, Marco Polo Guimarães, Ianê Mello, Pedro Belo Clara, Rosane Carneiro, Carina Carvalho, Paulo Lima, Natália Turini, Luís Garcia, Paula Cajaty, Nuno Júdice, Amosse Muscavele, Carlos Margarido, Amélia Luz, Paulo Vitor Grossi e Renata Bomfim. 

Na sessão de artes plásticas ensaio e estudos de Jordny. O número em questão homenageia Dora Ferreira da Silva e da parceria com Instituto Moreira Salles garimpamos inéditos, imagens da poeta. Para ela depoimentos e dois ensaios sobre sua obra: um de Alexandre Bonafim  e outro inédito no Brasil, de Euryalo Cannabrava (in memoriam) que fora publicado ainda na década de 1970 pela Revista Colóquio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian. Integra a edição uma conversa franca com a filha de Dora, Inês Ferreira da Silva que relembra a relação com a mãe e a dedicação à poesia.

A partir de amanhã, 1º de fevereiro estará aberta chamada para a 7ª edição a ser publicada entre junho e julho próximos. Deste número em diante o caderno-revista passa a ser editado em parceria com Cesar Kiraly, que integra já uma nova equipe editorial. A proposta só terá ganhos com essa parceria dadas a experiência e dedicação que o professor tem demonstrado desde quando dos primeiros diálogos de integração do caderno-revista.

A edição está disponível aqui

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Nova edição do caderno-revista 7faces chega on-line dia 31 de janeiro



por Pedro Fernandes



A nova edição do caderno-revista 7faces chega on-line no próximo dia 31 de janeiro, quinta-feira. É a 6ª edição entre os sete números já editados (a outra edição foi acadêmica com incursões em torno da poesia de José Saramago). Com rico conteúdo reunindo trabalhos de 22 poetas de Brasil, Portugal e Moçambique, artes plásticas e uma homenagem mais que especial para a poeta Dora Ferreira da Silva. 

Os agradecimentos estarão impressos no caderno-revista, mas quero aqui, antecipá-los. Primeiro, agradecer à filha de Dora Ferreira, Inês Ferreira da Silva Bianchi, pela disponibilidade e acompanhamento no processo de informações sobre o acervo de sua mãe e pela cessão de arquivos inéditos para a edição; depois ao Instituto Moreira Salles pelo acesso - mesmo à distância - ao arquivo de Dora Ferreira da Silva e, logo, pela parceria para esta edição; à Revista Colóquio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkin pela cessão do texto que sairá pela primeira vez em terras brasileiras de Euryalo Cannabrava (in memoriam) e poemas também inéditos de Dora Ferreira.

Enfim, esperemos! Outras novidades irei contar depois.



sábado, 26 de janeiro de 2013

Sylvia Plath recita "Daddy"



Daddy

You do not do, you do not do
Any more, black shoe
In which I have lived like a foot
For thirty years, poor and white,
Barely daring to breathe or Achoo.

Daddy, I have had to kill you.
You died before I had time---
Marble-heavy, a bag full of God,
Ghastly statue with one grey toe
Big as a Frisco seal

And a head in the freakish Atlantic
Where it pours bean green over blue
In the waters off beautiful Nauset.
I used to pray to recover you.
Ach, du.

In the German tongue, in the Polish town
Scraped flat by the roller
Of wars, wars, wars.
But the name of the town is common.
My Polack friend

Says there are a dozen or two.
So I never could tell where you
Put your foot, your root,
I never could talk to you.
The tongue stuck in my jaw.

It stuck in a barb wire snare.
Ich, ich, ich, ich,
I could hardly speak.
I thought every German was you.
And the language obscene

An engine, an engine
Chuffing me off like a Jew.
A Jew to Dachau, Auschwitz, Belsen.
I began to talk like a Jew.
I think I may well be a Jew.

The snows of the Tyrol, the clear beer of Vienna
Are not very pure or true.
With my gypsy ancestress and my weird luck
And my Taroc pack and my Taroc pack
I may be a bit of a Jew.

I have always been scared of you,
With your Luftwaffe, your gobbledygoo.
And your neat mustache
And your Aryan eye, bright blue.
Panzer-man, panzer-man, O You---

Not God but a swastika
So black no sky could squeak through.
Every woman adores a Fascist,
The boot in the face, the brute
Brute heart of a brute like you.

You stand at the blackboard, daddy,
In the picture I have of you,
A cleft in your chin instead of your foot
But no less a devil for that, no not
Any less the black man who

Bit my pretty red heart in two.
I was ten when they buried you.
At twenty I tried to die
And get back, back, back to you.
I thought even the bones would do.

But they pulled me out of the sack,
And they stuck me together with glue.
And then I knew what to do.
I made a model of you,
A man in black with a Meinkampf look

And a love of the rack and the screw.
And I said I do, I do.
So daddy, I'm finally through.
The black telephone's off at the root,
The voices just can't worm through.

If I've killed one man, I've killed two -
The vampire who said he was you
and drank my blood for a year,
Seven years, if you want to know.
Daddy, you can lie back now.

There's a stake in your fat, black heart
And the villagers never liked you.
They are dancing and stamping on you.
They always knew it was you.
Daddy, daddy, you bastard, I'm through.




Paizinho

Não serves, não serves,
Não serves mais, sapato preto
Em que eu vivi como um pé
Trinta anos, pobre e branca,
Mal me atrevendo a respirar ou atchim.

Paizinho, eu tive de matar-te,
Morreste antes que eu tivesse tempo,
Mármore pesado, saco repleto de Deus,
Estátua medonha de dedo grande cinzento
Do tamanho de uma foca de Frisco

E uma cabeça no Atlântico mais esquisito
Onde ele derrama o verde-feijão sobre o azul
Nas águas da lindíssima Nauset.
Eu costumava rezar para te recuperar
Ach, du.

Na língua alemã, na vila polaca
Aterradas pelo rolo
Das guerras, guerras, guerras.
Mas o nome do lugar é vulgar.
Diz o meu amigo polaco

Que há uma ou duas dúzias.
Assim nunca soube onde tu
Fixaste os pés, as tuas raízes,
Contigo nunca consegui falar.
A língua presa no maxilar.

Arame farpado.
Ich, ich, ich, ich,
Mal conseguia dizer.
Em qualquer alemão estavas espelhado.

E a linguagem porca
Uma máquina, uma máquina
Em vapores leva-me como judia.
Uma judia para Dachau, Auschwtiz, Belsen.
Comecei a falar como uma Judia.
Acho que é boa ideia ser Judia.

A neve do Tirol, as cervejas clarinhas de Viena
Não são muito puras ou genuínas
Com a minha angelical cigana, o meu destino estranho
E as minhas cartas de tarot, cartas de tarot
Eu posso ser um pouco Judia.

Sempre me provocaste medo,
Com a tua Luftwaffe, a tua conversa vazia.
E o teu bigode lavado
O olho ariano, muito azul.
Homem-panzer, homem-panzer, oh tu -

Não Deus, mas uma suástica.
Tão negra que nem céu.
Qualquer mulher adora um Fascista,
A bota na cara, o bruto
Bruto coração de um bruto da tua espécie.

Estás de pé na pedra, paizinho,
Na imagem que trago comigo,
Em vez do pé, o queixo partido,
Não menos canalha por isso, oh não
o homem que partiu em dois
o meu lindo e vermelho coração.

Eu tinha dez anos quando foi a enterrar.
Aos vinte anos, eu tentei morrer
E voltar, voltar, voltar para ti.
E até pensei que os ossos serviriam.

Mas não me deixaram,
Juntaram os meus bocados com cola.
E então eu soube o que fazer.
Fiz um modelo de ti,
Homem de preto, com um aspecto de Meinkampf

E o amor de tortura e torniquete.
E eu disse eu aceito, eu aceito
E então, paizinho, finalmente estou acabada.
Arranquei o telefone preto da ficha,
As vozes já não se arrastam até aqui.

Se matei um homem, matei dois_
O vampiro que me disse seres tu
E bebeu o meu sangue por um ano,
Sete anos, se queres saber
Paizinho, podes voltar para trás.

Há uma estaca no teu coração negro e gordo
E os homens da vila nunca gostaram de ti.
Eles dançam e espezinham-te.
Eles sempre souberam que eras tu.
Paizinho, paizinho, seu canalha, estou acabada.


Sylvia Plath nasceu a 27 de outubro de 1932 em Boston. Escreveu contos, um romance e poesia, gênero literário pelo qual sua obra é reconhecida. Seus poemas estão publicados em The Colossus and Other Poems, livro de estreia, em 1960, Ariel (1963), Crossing the Water (1971) e The Collected Poems (1981), reunindo uma recolha de poemas inéditos. Sylvia morreu em Londres, no dia 11 de fevereiro de 1963. 
  * Tradução  de Pedro Calouste. Publicado inicialmente no blog da Sylvia Beirute.

sábado, 19 de janeiro de 2013

3 poemas de Ronald de Carvalho


Anoitece...

Anoitece...
Venho sofrer contigo a hora dolente que erra,
Sob a lâmpada amiga, entre um vaso com rosas,
Um festão de jasmins, e a penumbra que desce...
Hora em que há mais distância e mágoa pela terra;
Quando, sobre os chorões e as águas silenciosas,
Redonda, a lua calma e sutil, aparece...

O rumor de uma voz sobe no espaço, ecoando,
Mais um dia se foi, menos uma ilusão!
E assim corre, igualmente, a ampulheta da vida.
Senhor! depois de mim, como folhas em bando,
Num crepúsculo triste, outros homens virão
Para recomeçar a rota interrompida,
E a amargura sem fim de um mesmo sonho vão...
 
Nos dormentes jardins bolem asas incautas,
Sobre os campos a bruma ondeia, devagar.
Estremecem no céu estrelas sonolentas
E os rebanhos, que vão na neblina lunar,
Agitam molemente, ao longe, as curvas lentas
Das estradas de esmalte, ao rudo som das frautas.
 
Anoitece...
Tremula ainda, no poente, a luz de alguns clarões,
E, enquanto sobre o meu teu olhar adormece,
Entre o perfil sombrio e vago dos chorões,
Redonda, a lua calma e distante, aparece...



CARVALHO, Ronalde. Anoitece. In: MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. 2.ed. Brasília: INL, 1973, p.1056.


Épura

Geometrias, imaginações destes caminhos
da minha terra!
Curvas de trilhas,
triângulos de asas,
bolas de cor...

Círculos de sombras agachadas entre as árvores,
cilindros de troncos embebidos na luz.

Geometrias, imaginações destes caminhos
da minha terra!

Melancolicamente, nesta alegria geométrica,
pingando bilhas polidas,
o leque das bananeiras abana o ar da manhã...


CARVALHO, Ronald de. Poesia e prosa. Org. Peregrino Júnior. 2.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977.


Vento noturno

Volúpia do vento noturno,
do vento que vem das montanhas e das ondas,
do vento que espalha no espaço o cheiro das resinas,
a exalação da maresia e do mato virgem,
das mangas maduras, das magnólias e das laranjas,
dos lírios do brejo e das praias úmidas.

Volúpia do vento noturno nas noites tropicais,
quando o brilho das estrelas é fixo, duro,
quando sobe da terra um hálito quente, abafado,

e a folhagem lustrosa lembra o aço polido.
Volúpia do vento morno do verão,
carregado de odores excitantes,
como um corpo de mulher adolescente,
de mulher que espera o momento do amor...

Volúpia do vento noturno em minha terra natal!


CARVALHO, Ronald de. O espelho de Ariel e poemas escolhidos. Pref. Antônio Carlos Villaça. Rio de Janeiro: Nova Aguilar; Brasília: INL, 1976. p.173.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Quatro poemas de Yehuda Amichai traduzidos por Millôr Fernandes


ASSIM A GLÓRIA PASSA

Assim a glória passa,
como um comprido trem sem princípio nem fim,
sem causa ou intenção.
Eu sempre fico num lado do cruzamento
a cancela está fechada e verifico tudo:
vagões de passageiros e história,
vagões entulhados de guerra,
vagões transbordantes de seres humanos para extermínio,
janelas com caras de homens e mulheres de partida,
exaltação de viajantes, aniversários e mortes,
súplicas e piedades, e quantidades de vagões vazios chacoalhando.
Assim meus filhos passam a seu futuro,
Assim o Senhor passou sobre Moisés no Grande Deserto,
E Moisés não viu Sua Face, só gritou; “Senhor,
Ó Senhor, misericordioso e gracioso, abundante em bondade e verdade"
Assim a glória passa, assim a cancela fica fechada
até o fim de meus dias.


DEPOIS DE AUSCHWITZ

Depois de Auschwitz, nenhuma teologia. 
Das chaminés do Vaticano sobe fumaça branca,
Sinal de que os cardeais escolheram seu Papa.
Do crematório de Auschwitz sobe fumaça negra
Sinal de que o conclave dos Deuses ainda não elegeu
O Povo Eleito. Depois de Auschwitz, nenhuma teologia.
Os números nos punhos
Dos internos para exterminação
São os números dos telefones de Deus
números que não respondem e agora são desligados,
um a um.
Depois de Auschwitz, uma nova teologia;
Os judeus que morreram no Shoah
Agora ficaram semelhantes a seu Deus
Que não tem semelhança com um corpo e não tem corpo
Eles não têm semelhança com um corpo e não tem corpo.


O QUE EU APRENDI NAS GUERRAS

O que eu aprendi nas guerras
A marchar no ritmo de braços e pernas
Como bombas bombeando um poço vazio.

A marchar numa fila e sozinho no meio,
A enterrar em travesseiros,
Colchões de penas,
O corpo de uma mulher amada.
E a gritar “mamãe”
Quando ela não pode ouvir,
E a gritar por deus
Quando eu não creio nele,
E mesmo que acreditasse nele
Eu não lhe falaria sobre a guerra
Como a uma criança não se fala
Dos horrores adultos.

Que mais eu aprendi.
Aprendi
A reservar um caminho para a retirada.
Em terras estrangeiras
Alugar um quarto em hotel
Perto do aeroporto ou da estação de trem.
E mesmo em cerimônias nupciais
Ficar sempre de olho na pequena porta
Com o sinal “exit” em letras vermelhas.

Uma batalha começa
Com tambores rítmicos para dança e termina
Com uma “retirada ao amanhecer”.
Amor proibido
Algumas vezes também começa e acaba assim.

Mas acima de tudo
Aprendi a sabedoria da camuflagem,
Não ficar visível, não ser reconhecido,
Não me distinguir daquilo que me cerca,
Nem mesmo de quem amo.
Que pensem que sou uma moita ou um carneiro,
Uma árvore, a sombra de uma árvore,
Uma cerca viva, uma pedra morta,
Uma casa, o canto de uma casa.

Se eu fosse um profeta
Teria diminuído o brilho da visão
Escurecido minha fé com papel negro.

E quando chegar meu tempo,
Endossarei a camuflagem de gala do meu fim:
Com branco de nuvens, bastante azul de céu,
E estrelas infinitas.


AMANTES DEIXAM IMPRESSÕES DIGITAIS UM NO OUTRO

Amantes deixam impressões digitais um no outro,
cheias de evidências físicas, palavras sem fim, testemunhos,
um par de calças vincadas, um jornal com a data exata,
e dois relógios, o dele e o dela.
Toda manhã eles traçam o contorno um do outro
como a polícia marca com giz a posição do corpo na estrada.
Amantes rendem um o outro,
amantes reservam o direito de manter silêncio.
Se e quando se separam,
compõem um esboço policial de suas caras
e um contorno pra que possam dizer:
E esse! E essa!

Yehuda Amichai nasceu no dia 3 de maio de 1924, em Würzburg, Alemanha. Com a ascensão nazista, a família, judia ortodoxa, emigra para a Palestina; Amichai tinha, então, 12 anos; em 1936 mudam-se para Jerusalém. Foi à Segunda Guerra onde lutou ao lado dos ingleses na Brigada Judia do Exército Britânico. No retorno do front passa a lutar contra os britânicos na Guerra de Independência de 1948. Após os conflitos conclui seus estudos em Literatura Hebraica na Universidade de Jerusalém e passa a lecionar mais tarde em Haifa. Publicou mais de 15 livros. Morreu em 2000.



sábado, 12 de janeiro de 2013

Uma manhã



para Xia, que viaja sozinha para o Tibete


Uma manhã
uma manhã com bocejos e cansaço
eu imagino
entre você e as terras altas
o céu é impensável
profundo
sem vento, sem nuvens, sem névoa
translúcido o azul evanescente como em nenhum outro lugar

Quando você foi
fiquei muito calmo
quando seu contorno desapareceu
cresceu um desejo de distância
como nas linhas das mãos pequenas
de crianças outro segue
por nossos corpos sinuosos
na busca pela palavra única

Seu círculo não precisa de asas
como um perfume, guiando a alma
os raios da manhã tremeluzem
um sentimento algo estranho
como um novo par de sapatos
pronto para a viagem

O tempo oscilante
engravida meus sonhos
as montanhas nevadas no ar rarefeito
colhem ansiosas
a fumaça de seu suspiro


........................
Publicado inicialmente no Blog da L&PM Editores. A editora verteu para o português direto do chinês uma das obras de Liu Xiabo, Não tenho inimigos, desconheço o ódio - escritos e poemas escolhidos.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Nomes para a 6ª edição do caderno-revista 7faces





O caderno-revista 7faces divulga os nomes dos poetas selecionados para a 6ª edição a se publicar em fins de janeiro. Estarão nas páginas do número dedicado a poeta Dora Ferreira da Silva, Ricardo Dantas, Davi Araújo, Thiago Duarte, Adriano Winter, Guerá Fernandes, Joice Aparecida da Silva, Marco Polo Guimarães, Ianê Melo, Pedro Belo Clara, Rosane Carneiro, Carina Lima de Carvalho, Paulo Lima, Luis Garcia, Natalia Turini, Amélia Raposo, Nuno Júdice, Amosse Muscavele, Paulo Vitor Grossi, Carlos Margarido, Renata Bomfim e Paula Cajaty.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Três poemas de Weldon Kees



PARA A MINHA FILHA

Ao olhar os olhos da minha filha, leio
Sob a inocência da carne da manhã
Escondidas, alusões de morte em que não reparo.
O mais frio dos ventos levantou estes cabelos, e trama
De algas entreteceu estas miniaturas de mãos;
O lento veneno da noite, tolerante e brando,
Moveu o seu sangue. Ressequidos anos que vi
E que dela podem ser aparecem: putrefacta, demorada
Morte em certa guerra, as magras pernas verdes.
Ou, alimentada de ódio, ela delicia-se no aguilhão
Da agonia de outros; talvez a cruel
Noiva de um sifilítico ou louco.
Estas especulações azedam ao sol.
Eu não tenho filha. Não desejo nenhuma.


SUBTÍTULO

Para esta noite apresentamo-vos
Um filme de morte: observai
Estas cenas que fragmentos de celulóide
Sem apoios nem taxas revelam.

Pedimos apenas o seguinte:
Toda a pastilha elástica deve ser colocada sob os assentos
Ou engolida rapidamente, todos os cartuxos de pipocas
Devem ser abandonados no vestíbulo. As portas
Permanecerão fechadas ao longo da representação. Por gentileza consultai
Os vossos programas: observai que
Não há saídas. Isto é uma precaução necessária.

Não procurai qualquer diálogo, ou qualquer
Som de voz humana: tivemos o cuidado
De sincronizar esta fita com
Guinchos de porcos, lento som de armas,
O afiado e amortecido estalido
De máquinas de chocolates vazias.
Repetimos: aqui não
Há saídas, guardas para subornar,
Janelas de casa de banho.

Não há fim para o filme a não ser
Que o fim seja vosso.
Apagai as luzes, lembrai
Ao operador a sua carteira profissional:
Sentai-vos para a frente, deixai o écran revelar
A vossa herança, a lógica do vosso destino.


A CIDADE COMO HEROÍNA

Para aqueles cujas vozes gritam nas ruínas
Para aqueles que morrem no escuro sós
Para aqueles que vagueiam em arruinadas ruas
Aqui na tua tarde
As chaminés estão vazias de fumo
Estas praças de treva são janelas
Os mudos fios eléctricos estendem-se no céu
A imobilidade do ar
Sob frias estrelas
E perto do rio seco
Um velho sem sombra vagueia só
Sobre almofadas de treva
Aqui está a tua tarde
Que palavras Que respostas agora
Que memórias Que arruinados portos?


* Traduções de Luís Quintais 


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Um poema de Casimiro de Abreu




AMOR E MEDO

Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— “Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!”

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair cias tardes,
Eu me estremeço de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

Casimiro de Abreu nasceu a 4 de janeiro de 1839 em Nova Friburgo. É considerado um dos nomes mais significativos da segunda geração do romantismo no Brasil. De família de posses, ligada ao comércio, foi muito cedo viver no Rio de Janeiro e depois para Portugal. No retorno ao Brasil para trabalhar no armazém de seu pai, logo publicou o seu principal livro, Primaveras, que recolheu seus exercícios com a poesia até então. Colaborou com revistas brasileiras de seu tempo, como O panorama e A ilustração luso-brasileira. Também escreveu romance e texto para teatro. Morreu em decorrência da tuberculose na cidade onde nasceu a 18 de outubro de 1860.