domingo, 10 de fevereiro de 2013

Dois poemas de Bertolt Brecht

Bertolt Brecht, Berlim, 1947.



DIFICULDADE DE GOVERNAR

1.

Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar

2.

É também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhe na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3.

Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4.

Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?

* Tradução de Arnaldo Saraiva


A ESPERANÇA DO MUNDO

1.

Seria a opressão tão antiga quanto o musgo dos lagos?
Não se pode evitar o musgo dos lagos.
Seria tudo o que vejo natural, e estaria eu doente, ao desejar remover o irremovível?
Li canções dos egípcios, dos homens que construíram as pirâmides.
Quei­xavam-se do seu fardo e perguntavam quando terminaria a opressão.
Isto há quatro mil anos.
A opressão é talvez como o musgo, inevitável.

2.

Se uma criança surge diante de um carro, puxam-na para a calçada. Não o homem bom, a quem erguem monumentos, faz isso.
Qualquer um retira a criança da frente do carro.
Mas aqui muitos estão sob o carro, e muitos passam e nada fazem.
Seria porque são tantos os que sofrem? Não se deve mais ajudá-los, por serem tantos? Ajudam-nos menos.
Também os bons passam, e continuam sendo tão bons como eram antes de passarem.

3.

Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais parecem seus sofrimentos, portanto. Quem deseja impedir que se molhem os peixes do mar?
E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e deixam que lhes falte bondade entre si.
É terrível que o homem se resigne tão facilmente com o existente, não só com as dores alheias, mas também com as suas próprias.
Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas recusam-se a apelar à compaixão de uns por outros. Mas a compaixão dos oprimidos pelos oprimidos é indispensável.
Ela é a esperança do mundo.

* Tradução de Paulo César de Souza


Bertolt Brecht nasceu a 10 de fevereiro de 1898, em Augsburg, Alemanha. Para estudar medicina, instala-se em Munique e nesta cidade começa sua carreira como dramaturgo; a peça Baal estreia em 1917. A carreira no teatro ampliou-se com novos trabalhos, sempre premiados. Depois se casar com a atriz Helene Weigel, muda-se para Berlim, onde trabalha no Deutsches Theater até 1926. É neste ano que estreia na poesia com Manual de devoção de Bertolt Brecht. O levante do fascismo obriga-o a um longo périplo pelo seu país e fora dele: Tchecoslováquia,  Áustria, Suíça, França, Dinamarca, Suécia, Finlândia, União Soviética e Estados Unidos, onde será um dos perseguidos pelo Comitê de Atividades Antiamericanas, no nascer dos anos de macartismo; é quando retorna a Berlim Oriental depois de ter sua permanência vetada na outra parte da cidade. Morreu a 14 de agosto de 1956.