sexta-feira, 1 de março de 2013

Dois poemas de Vergílio Ferreira



QUE HÁ PARA LÁ DO SONHAR?

Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.

Mas que há para lá do sonhar?



CAI A CHUVA ABANDONADA

Cai a chuva abandonada
à minha melancolia,
a melancolia do nada
que é tudo o que em nós se cria.

Memória estranha de outrora
não a sei e está presente.
Em mim por si se demora
e nada em mim a consente

do que me fala à razão.
Mas a razão é limite
do que tem ocasião

de negar o que me fite
de onde é a minha mansão
que é mansão no sem-limite.
Ao longe e ao alto é que estou
e só daí é que sou.

Vergílio Ferreira nasceu a 28 de janeiro de 1916, em Gouveia. É um dos nomes de relevo da literatura portuguesa do século XX, reconhecido por alguns dos mais importantes romances, como Aparição, sua Magnum opus. Fixado entre o Neo-realismo e o Existencialismo, sua obra também se destaca na prosa curta, no ensaio, e na poesia, deixado neste gênero alguns textos esparsos em seus diários. Recebeu o Prêmio camões em 1992. Morreu a 1º de março de 1996.


* Poemas de Conta-Corrente 1.