segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Dois sonetos de Zila Mamede

A poeta Zila Mamede.


Mar morto

Parado morto mar de minha infância
sem sombras nem lembranças de sargaços
por onde rocem asas de gaivotas
perdendo-se num rumo duvidoso.

Pesado mar sem gesto, mar sem ânsia,
sem praias, sem limites, sem espaços,
sem brisas, sem cantigas, mar sem rotas,
apenas mar incerto, mar brumoso.

Criança penetrando no mar morto
em busca de um brinquedo colorido
que julga ver no mar vogando.

Infância nesse mar que não tem porto,
num mar sem brilho, vago, indefinido,
onde não há nem sonhos navegando.


Frustração

O poeta, em verde sonho desposado
perdeu-se na fumaça, descontente.
Onde o gesto, onde a musa permanente
fincou raiz? em solo devastado?

Palavras. Só palavras. Concentrado
o pensamento voga, de repente,
por mares de salina, indiferente
ao poeta, àquele sonho evaporado.

Fantasmas de mil coisas na retina:
um grito azul - nas sombras da neblina,
inconsequente flor a soluçar.

Em vestes de loucura embevecida,
o poeta, a muda face desprendida,
o morto sonho verde atira ao mar.

Zila Mamede nasceu em Nova Palmeira, no estado da Paraíba, em 15 de setembro de 1928. Aos cinco anos mudou-se com a família para o Rio Grande do Norte. Como técnica em contabilidade exerceu suas primeiras atividades nessa profissão enquanto se dedicava aos interesses pelas letras. No âmbito da chamada Geração Pós-45, Zila iniciou sua produção poética com a publicação de Rosa de pedra, em 1953. Formou-se em Biblioteconomia pela Biblioteca Nacional com bolsa de estudos conseguida por intermédio de Manuel Bandeira; no retorno a Natal, criou o sistema de bibliotecas do estado. Especializou-se em administração de bibliotecas nos Estados Unidos. Paralelo à profissão, publicou Salinas, em 1958, e O arado, no ano seguinte. Dedicou-se a estudar a obra de Luís da Câmara Cascudo e em 1970 publicou Luís da Câmara Cascudo: 50 anos de vida intelectual (1918-1968); seguiu-se com o estudo sobre a obra de João Cabral de Melo Neto entre 1976 e 1985, trabalho que levou até os seus últimos dias; o resultado está em Civil geometria: bibliografia crítica, analítica e anotada de João Cabral de Melo Neto (1942-1982). Publicou, ainda em poesia Exercício da palavra (1975), Corpo a corpo (1978), Navegos (1978) e A herança (1984). Morreu em 13 de dezembro de 1985.