quarta-feira, 4 de junho de 2014

Dois poemas de Maria Gabriela Llansol




Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti
                                     até que a dor alegre recomece.



7
Não resisto a contar à rapariga:
Ontem passei por um encontro entre dois rapazes que se amavam,
Curtiam, como dizes, sentados no colo um do outro. Era um amor
Humano nas raias do explícito. Aquele laço de se receberem
Mutuamente no regaço estava todavia perto de desatar-se Triste
Que assim fosse.
Havia sobre a cena uma pequena caixa, e aquele que decidira
Desunir-se escrevia o seu nome animal dentro dela. Por sua vez,
O outro para nomear o próximo, desenhou com lentidão um
Pequeno candeeiro de muitas luzes. Vi perfeitamente a progressão
Do desenho, e como ele se detinha na contemplação de cada
Anjo.

Maria Gabriela Llansol nasceu a 24 de novembro de 1931, em Lisboa. Iniciou sua carreira na literatura a partir de 1962 quando publicou Os pregos na erva. Depois deste livro publicou vasta obra que se destaca pela prosa. Toda sua literatura é a de um questionamento, sobretudo, das formas literárias. Traduziu ao português nomes como Emily Dickinson, Paul Verlaine, Rainer Maria Rilke, Rimbaud, Apollinaire, Paul Éluard e Charles Baudelaire. Em 1985, por Um falcão no punho recebeu o Prêmio Dom Dinis; em 1990, por Um beijo dado mais tarde, o Grande Prêmio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, honraria que volta a conquistar em 2006 por Amigo e amiga. Morreu a 3 de março de 2008, em Sintra.



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