sábado, 29 de março de 2014

Três poemas de Paul Verlaine

Paul Verlaine



O AMOR POR TERRA

O vento derrubou ontem à noite o Amor
Que, no recanto mais secreto do jardim,
Sorria retesando o arco maligno, e assim
Tanta coisa nos fez todo um dia supor!
 
O vento o derrubou ontem à noite. À aragem
Da manhã gira, esparso, o mármore alvo. E à vista
É triste o pedestal, onde o nome do artista
Já mal se pode ler à sombra da ramagem.
 
É triste ver ali de pé o pedestal
Sozinho! e pensamentos graves vêm e vão
No meu sonho em que a mais profunda comoção
Imagina um porvir solitário e fatal
 
É triste! – E tu, não é?, ficas emocionada
Ante o quadro dolente, embora olhando à toa
A borboleta de oiro e púrpura que voa
Sobre os destroços de que a aléa está juncada.
 

CANÇÃO DE OUTONO

Estes lamentos
Dos violões lentos
     Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
     De sono.
 
E soluçando,
Pálido quando
     Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doudos
     De outrora.
 
E vou à-toa
No ar mau que voa,
     Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
     E morta.  
 
 
MEU SONHO FAMILIAR

Sonho às vezes o sonho estranho e persistente
De não sei que mulher que eu quero e que me quer,
E que nunca é, de fato, uma única mulher
E nem outra, de fato, e me compreende e sente.
 
Compreende-me, e este meu coração, transparente
Para ela, não é mais um problema qualquer,
Só para ela, o meu suor de angústia, se quiser,
Chorando, ela transforma em frescura envolvente.
 
Se é morena, ou se loura, ou se ruiva – eu ignoro.
Seu nome? É como o nome ideal, doce e sonoro,
Dos amados que a vida exilou para além.
 
Seu olhar lembra o olhar de alguma estátua antiga,
E sua voz longínqua, e calma, e grave, tem
Certa inflexão de emudecida voz amiga.
 
Paul Verlaine nasceu a 30 de março de 1844 em Metz. Sua estreia na poesia data de 1866 com a publicação de Poemas saturninos. Autor de vasta obra poética, nascida no sobejo do parnasianismo, foi no simbolismo onde o poeta se fez um dos nomes mais importantes da literatura do século XIX. Morreu a 8 de março de 1896 em Paris.
 
* Traduções de Guilherme de Almeida