segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Três poemas de Samuel Beckett



SOU AREIA QUE SE ESVAI

sou esta areia que se esvai
entre o cascalho e a duna
a chuva de Verão chove-me na vida
sobre mim a vida que me foge persegue-me
e vai acabar no dia do começo

caro instante vejo-te
nesta névoa que se levanta
quando não tiver de pisar estas longas soleiras movediças
e viver o espaço de uma porta
que se abre e que se fecha

* Tradução Manuel Portela


INSTANTE

Que faria eu sem este mundo sem rosto sem perguntas
Onde o ser só dura um instante e onde cada instante
Transborda para o vazio o esquecimento de ter existido
Sem esta onda onde por fim
Corpo e sombra juntos se anulam
Que faria eu sem este silêncio poço fundo de murmúrios
Curvando-se a pedir socorro pedir amor
Sem este céu posto de pé
Sobre o pó do seu lastro

Que faria eu eu faria como ontem e como hoje
Olhando para a minha janela vendo se não estou sozinho
A errar e a mudar distante de toda a vida
preso num espaço incontrolável
Sem voz no meio das vozes
Que se fecham comigo.

* Tradução de Mário Carvalheira


CASCANDO

1

fosse apenas o desespero da
ocasião da
descarga de palavreado

perguntando se não será melhor abortar que ser estéril

as horas tão pesadas depois de te ires embora
começarão sempre a arrastar-se cedo de mais
as garras agarradas às cegas à cama da fome
trazendo à tona os ossos os velhos amores
órbitas vazias cheias em tempos de olhos como os teus
sempre todas perguntando se será melhor cedo de mais do
que nunca
com a fome negra a manchar-lhes as caras
a dizer outra vez nove dias sem nunca flutuar o amado
nem nove meses
nem nove vidas


2

a dizer outra vez
se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei

palavras rançosas a revolver outra vez no coração
amor amor amor pancada da velha batedeira
pilando o soro inalterável
das palavras

aterrorizado outra vez
de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
de saber e não saber e fingir
e fingir

eu e todos os outros que te hão-de amar
se te amarem


3

a não ser que te amem


* Tradução de Miguel Esteves Cardoso

Samuel Beckett nasceu a 13 de abril de 1906, em Dublin. Considerado um dos escritores mais importantes do século XX, se destacou pela obra dramática, precursora do chamado teatro do absurdo. Sua obra é vasta; além do teatro, cultivou a escrita de romances, novelas, contos e ensaios e poesia. Deste último gênero publicou três livros — um sempre em modo de revisão do anterior. A antologia Collected Poems in English and French editada em 1977 é renovada em 1979 e 1984; nesta última edição com o título de Collected Poems. Em 1969 foi galardoado com o Prêmio Nobel de Literatura. Morreu a 22 de dezembro de 1989,  em Paris.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Quatro poemas de Vera Pavlova



NO INVERNO UM ANIMAL

No inverno – um animal
Na primavera – uma planta
No outono – uma ave
O resto do tempo sou uma mulher


OLHOS MEUS

Olhos meus
por que estão tristes
apesar de me sentir alegre
palavras minhas
por que são tão rudes
apesar de ser terna
atos meus
por que são tão estúpidos
apesar de ser inteligente
amigos meus
por que estão cansados
apesar de ser tão forte


A JOVEM DORME ASSIM

a jovem dorme assim
como se alguém estivesse sonhando-lhe
a mulher dorme assim
como se amanhã fosse estourar uma guerra
a anciã dorme assim
como se bastasse fingir-se de morta
o morto e a morte passam
pouco além do sonho


PLENA

Plena
sinto tua carne
tão dentro de mim,
que já não a sinto
sobre mim
totalmente.
Acaso estás todo tu
dentro de mim?
Ou estás
fora
e só te imaginei?

* A poeta Valeria Guzmán ofereceu estas traduções diretamente do russo em espanhol e foi a partir da versão espanhola que Pedro Fernandes traz os poemas em língua portuguesa.


domingo, 29 de novembro de 2015

Dois poemas de Nauro Machado



OFÍCIO

Ocupo o espaço que não é meu, mas do universo.
Espaço do tamanho do meu corpo aqui,
enchendo inúteis quilos de um metro e setenta
e dois centímetros, o humano de quebra.
Vozes me dizem: eh, tu aí! E me mandam bater
serviços de excrementos em papéis caídos
numa máquina Remington, ou outra qualquer.
E me mandam pro inferno, se inferno houvesse
pior que este inumano existir burocrático.
E depois há o escárnio da minha província.
E a minha vida para cima e para baixo,
para baixo sem cima, ponte umbilical
partida, raiz viva de morta inocência.
Estranhos uns aos outros, que faço eu aqui?
E depois ninguém sabe mesmo do espaço
que ocupo, desnecessário espaço de pernas
e de braços preenchendo o vazio que eu sou.
E o mundo, triste bronze de um sino rachado,
o mundo restará o mesmo sem minha quota
de angústia e sem minha parcela de nada.


A SENTENÇA

Ó solidão, minha mãe
em toda parte do corpo,
meu escaler sem esperança
no oceano dos naufrágios.

Só as árvores estão vivas
no meu espírito que é morto.
Ó sinos, pombas errantes
no bronze da eternidade!

Remai, tempo de amargura,
às praias sem amanhã.
Ó solidão, minha mãe,
medusa erguida sem pai.


quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Um poema inédito de Carlos Drummond de Andrade



O poema das mãos soluçantes, que se erguem num desejo e numa súplica

Como são belas as tuas mãos, como são belas as tuas mãos pálidas como uma canção em surdina...
As tuas mãos dançam a dança incerta do desejo, e afagam, e beijam e apertam...
As tuas mãos procuram no alto a lâmpada invisível, a lâmpada que nunca será tocada...
As tuas mãos procuram no alto a flor silenciosa, a flor que nunca será colhida...
Como é bela a volúpia inútil de teus dedos...
O poema das mãos que não terão outras mãos numa tarde fria de Junho
Pobres das mãos viúvas, mãos compridas e desoladas, que procuram em vão, desejam em vão...
Há em torno a elas a tristeza infinita de qualquer coisa que se perdeu para sempre...
E as mãos viúvas se encarquilham, trêmulas, cheias de rugas, vazias de outras mãos...
E as mãos viúvas tateiam, insones, − as friorentas mãos viúvas...
O poema dos olhos que adormeceram vendo a beleza da terra
Tudo eles viram, viram as águas quietas e suaves, as águas inquietas e sombrias...
E viram a alma das paisagens sob o outono, o voo dos pássaros vadios, e os crepúsculos sanguejantes...
E viram toda a beleza da terra, esparsa nas flores e nas nuvens, nos recantos de sombra e no dorso voluptuoso das colinas...
E a beleza da terra se fechou sobre eles e adormeceram vendo a beleza da terra...


Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Estreou na literatura em 1930 com a publicação de Alguma poesia e nos cinquenta anos seguintes publicou diversas obras fundamentais da literatura brasileira como Sentimento do mundoA rosa do povo e Claro enigma. Morreu no Rio de Janeiro em 1987. 

* Este poema foi apresentado no jornal O Globo em 19 de novembro de 2015.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Dois poemas de William Blake



O TIGRE

Tigre, Tigre, viva chama 
Que as florestas da noite inflama. 
Que olho ou mão imortal podia 
Traçar-te a horrível simetria? 

Em que abismo ou céu longe ardeu 
O fogo dos olhos teus? 
Com que asas ousou ele o voo? 
Que mão ousou pegar o fogo? 

Que arte & braço pôde então 
Torcer-te as fibras do coração? 
Quando ele já estava batendo, 
Que mão e que pés horrendos? 

Que cadeia? Que martelo, 
Que fornalha teve o teu cérebro? 
Que bigorna? Que tenaz 
Pegou-lhe os horrores mortais? 

Quando os astros alancearam 
O céu e em pranto o banharam, 
Sorriu ele ao ver seu feito? 
Fez-te quem fez o Cordeiro? 

Tigre, Tigre, viva chama 
Que as florestas da noite inflama, 
Que olho ou imortal mão ousaria 
Traçar-te a horrível simetria? 

* Tradução de José Paulo Paes



O LIMPADOR DE CHAMINÉS

Ao morrer minha mãe, eu era criancinha; 
E meu pai me vendeu quando ainda a língua minha 
Dizia “vale-dor!” De “varredor” não fujo, 
Pois limpo chaminés, e sigo sempre sujo. 

Chorou Tom Dacre ao lhe rasparem o cabelo, 
Cacheado como um cordeirinho. E eu disse ao vê-lo: 
“Não chores, Tom! Porque a fuligem não mais deve 
Manchar, como antes, teu cabelo cor de neve.” 

E ele ficou quietinho; e nessa noite, então, 
Enquanto ele dormia, teve uma visão: 
Viu Dick, Joe, Ned e Jack, - e mil colegas mais, - 
Encerrados em negros caixões funerais. 

E um anjo apareceu, com chave refulgente, 
E abriu os seus caixões, soltando-os novamente; 
E correm na verdura, a rir, para o arrebol, 
E se banham num rio e reluzem ao sol. 

Brancos e nus, sem mais sacolas e instrumentos, 
Eis que sobem as nuvens, brincam sobre os ventos; 
E esse anjo disse a Tom que, se ele for bonzinho, 
Terá Deus como pai, e todo o seu carinho. 

E assim Tom despertou; e, antes do sol raiar, 
Com sacolas e escovas fomos trabalhar. 
Feliz, Tom nem sentia o frio matinal; 
Quem cumpre o seu dever não teme nenhum mal.

* Tradução de Paulo Vizioli

William Blake nasceu a 28 de novembro de 1757 em Londres. Sua atividade criativa se destaca na poesia e na ilustração. Alguns dos títulos que se destacam entre a primeira expressão estão O casamento do céu e do inferno, Jerusalém e Canções de inocência e de experiência. Morreu no dia 12 de agosto de 1827. 

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Cinco poemas de Paul Celan



Falar com os becos sem saída
sobre o de defronte
sobre sua
expatriada
significação – :
com dentes de escrever,
mastigar esse pão.

*

Um estrondo: a
própria verdade
surgiu entre
os homens
em pleno
turbilhão de metáforas

*

Sóis filiformes
sobre o ermo grisnegro.
Um pensamento
alto como uma árvore
agarra o somluz: ainda há
cantos a se cantarem para além
dos homens.

*

O mundo, mundo,
justificado em todos os peidos,
eu, eu,
contigo, tigo, to-
sado.


Nos rios ao norte do futuro
lanço a rede que tu,
hesitante, lastreias 
com sombras
escritas por pedras.

Paul Celan nasceu a 23 de novembro de 1920 em Cernăuţi. Profundamente apaixonado pela poesia, foi um prolífico tradutor deste gênero: mais de quatro dezenas de importantes nomes da literatura, como Guillaume Apollinaire, Antonin Artaud, Charles Baudelaire, Aleksandr Blök, Emil Cioran, Emily Dickinson, Paul Éluard, Mallarmé, Marianne Moore, Paul Valéry, Fernando Pessoa. Um dos seus trabalhos de destaque é Arte poética: o meridiano e outros textos. Sobrevivente do Holocausto, Celan não conseguiu se curar das sequelas agravadas por esse pesado tempo e suicidou-se em Paris a 20 de abril de 1970. 


* Traduzidos por Celso Fraga da Fonseca e publicados inicialmente em Cadernos de Literatura em Tradução, n.4

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Dois poemas de Eduard Mörike



É ELA

Novamente Primavera aos ventos
Dá a sua fita celeste;
Suaves e conhecidos alentos
Sabiamente roçam a terra agreste.
Já as sonolentas violetas
Logo querem voltar.
- Escuta, o som suave da harpa!
Primavera, sim, és tu!
Ouço-te chegar!


EM UMA CAMINHADA

Entrei numa amável cidadezinha,
Nas ruas o rubor da tarde resplandecia.
De uma janela aberta, então,
Por entre floreiras ricamente em flor
E botão, ouviam-se os sons de um dourado carrilhão,
E uma voz que parecia rouxinóis em coro,
Fazendo as flores tremerem,
Fazendo os ares reviverem,
Fazendo qual brasa brilharem as rosas em fogo.

Ali fiquei parado, extasiado de prazer.
E na verdade não consigo perceber
Como os portões da cidade eu transpus.
Ah, como aqui o mundo é pura luz!
O céu ondula em púrpuro torvelinho
E lá atrás desvanece a cidade em dourado fulgor;
Como murmura o riacho entre os alnos, como murmura ao fundo o moinho!
Estou ébrio, perdido em confusão - 
Ó Musa, tocaste o meu coração 
Com um sopro de amor!

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Um poema de Ernst Jandl



Markierung einer Wende

1994               1945
krieg               krieg
krieg               krieg
krieg               krieg
krieg               krieg
krieg               mai
krieg
krieg
krieg
krieg
krieg
krieg
krieg


Demarcação de uma virada

1944                 1945
guerra               guerra
guerra               guerra
guerra               guerra
guerra               guerra
guerra               maio
guerra
guerra
guerra
guerra
guerra
guerra
guerra

Ernst Jandl nasceu a 1.º de agosto de 1925 em Viena. De uma escrita que começou interessada por se reconciliar com sua herança cultural passou ao tratamento experimental que o inscreve entre os principais nomes das vanguardas germânicas pós-segunda guerra. Morreu a 9 de junho de 2000.


* Tradução de Rosvitha Blume e Markus Weininger

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Três poemas de Mário Chamie



PLANTIO

Cava,
então descansa.
Enxada; fio de corte corre o braço
de cima
e marca: mês, mês de sonda.
Cova.

Joga,
então não pensa.
Semente; grão de poda larga a palma
de lado
e seca; rês, rês de malha.
Cava.

Calca
e não relembra.
Demência; mão de louco planta o vau
de perto
e talha: três, três de paus.
Cova.

Molha
e não dispensa.
Adubo; pó de esterco mancha o rego
de longo
e forma: nó, nó de resmo.
Joga.

Troca,
então condena.
Contrato; quê de paga perde o ganho
de hora
e troça: mais, mais de ano.
Calca.

Cova:
e não se espanta.
Plantio; fé e safra sofre o homem
de morte
e morre: rês, rés de fome
cava.


O TOLO E O SÁBIO

O sábio que há em você
não sabe o que sabe
o tolo que não se vê.

Sabe que não se vê
o tolo que não sabe
o que há de sábio em você.

Mas do tolo que há em você
não sabe o sábio que você vê.



POR TRÁS DA PALAVRA
Por trás
de toda palavra
há uma trama
cavada.
Só não se cava
nem se sagra
a palavra
enclausurada.

A clausura
da palavra
é a palavra
lacrada;
é a usura
da palavra
que não abre
suas veias
se se envenena
de nada.

Só se salva
a palavra
contaminada
por outra palavra
sangrada:
— pois a palavra
infectada
pelo que outra
desata
é a palavra
que em sua casca
se rasga
contra o nada
da palavra
enclausurada>

Por trás
de toda palavra
que não se perde
lacrada
há a trama envenenada
de toda palavra
tramada.


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Dois poemas de Pier Paolo Pasolini



UMA EDUCAÇÃO SENTIMENTAL

Não é Amor. Mas em que medida é minha
a culpa se não converto em Amor
os meus afetos? Muita culpa, de acordo,
se pudesse viver dia após dia
de uma louca pureza, de uma piedade cega.
Escandalizar com a minha mansidão.
Mas a violência em que me atordoo,
dos sentidos, do intelecto, era desde há anos
o único caminho. À minha volta,
nas origens, só havia a Língua das fraudes
instituídas, das ilusões devidas,
que as primeiras angústias
de um menino, as paixões pré-humanas,
já impuras, não exprimia. E quando,
adolescente, conheci neste país
algo que não era a alegria
de uma vida de criança — num país
provinciano, mas para mim absoluto, heroico —
foi a anarquia. Na nova e já mesquinha
burguesia de uma província sem pureza,
a primeira aparição da Europa
foi para mim aprendizagem do uso mais
puro da expressão, que a escassez
da fé de uma classe moribunda
iria ressarcir com a loucura e os tópoi
da elegância: que seria a indecente clareza
de uma língua que revela
a vontade inconsciente de não ser,
e a consciente vontade de subsistir
no privilégio e na liberdade
que por Graça são pertença do estilo.

  
AS BELAS BANDEIRAS

Os sonhos da manhã: quando
o sol já reina
com uma plenitude
que ninguém sente melhor que o vendedor ambulante
que há muitas horas anda pelas ruas
com barba de doente
sobre as rugas da pobre juventude:
quando o sol reina
em reinos de frutos e legumes já quentes, sobre cortinas
puídas, multidões
com roupas a cheirar obscuramente a miséria
— e já centenas de eléctricos foram e voltaram
pelos carris das avenidas que rodeiam a cidade,
com o seu perfume inexprimível,

os sonhos das dez da manhã,
para quem dormita, sozinho,
como um peregrino no seu catre,
um cadáver sem nome,
— surgem em luminosas letras gregas,
e, na sacralidade simples de duas ou três sílabas,
cheias, justamente, da brancura triunfante do sol —
são presságio de uma realidade
profundamente amadurecida e agora já madura, como o sol,
para ser saboreada, ou meter medo.

O que me diz o sonho da manhã?
“o mar, com ondas lentas, grandiosas, de grãos azuis,
assanha-se, agitando-se com fúria uterina,
irredutível
e como que feliz — porque também é felicidade
confirmar o mais atroz ato do destino —
rói a tua ilha, agora reduzida
a poucos metros de terra. ..”

Socorro, a solidão aproxima-se!

Não importa saber que a desejei, como um rei.

No sono, em mim, um menino mudo assusta-se,
pede piedade, apressa-se a correr para os abrigos,
com uma agitação
que “a virtude faz esquecer”, pobre criatura.
Aterra-o a ideia
de estar só
como um cadáver nas profundezas da terra.

Adeus, dignidade, no sonho, embora matutino!
Quem tem de chorar chora,
quem tem de se agarrar às abas da casaca de alguém,
agarra-se, e vai puxando, puxando,
para que os rostos cor de lama se voltem,
e o olhem nos olhos assustados
e fiquem a par da sua tragédia,
e vejam bem o que há de medonho no seu estado!

Sobre tudo isso, a brancura do sol,
como um fantasma que a história
faz pesar nas pálpebras
com o peso dos mármores barrocos ou românicos...

Fui eu que quis a minha solidão.
Por um processo monstruoso
que talvez só um sonho sonhado no seio
de outro sonho poderia revelar...

Entretanto, estou só.
Perdido no passado.
(Porque o homem tem na vida uma só época.)

De repente, os meus amigos poetas,
que partilham comigo a feia brancura
destes Anos Sessenta,
homens e mulheres, pouco mais velhos
ou mais jovens — estão ali, ao sol.

Não soube ter a graça necessária
para os manter por perto — à sombra de uma vida
cujo curso se mantém por demais ligado
à inércia radical da minha a1ma.

Depois, a velhice fez
da minha mãe e de mim
duas máscaras
que, porém, nada perderam
da ternura matinal
— e a antiga cerimónia
repete-se
com uma autenticidade
que só um sonho sonhado no seio de outro sonho
me permitirá talvez chamar pelo seu nome.

O mundo inteiro é o meu corpo insepulto.
Atol que se esboroa
sob as pancadas repetidas dos grãos azuis do mar.

Que hei—de fazer senão voltar a ser digno, ao acordar?
Talvez tenha chegado
a hora do exílio: a hora em que um antigo daria realidade
à realidade,
e a solidão amadurecida à sua volta
teria a forma da solidão.

Mas eu — como no meu sonho —
continuo a embalar-me em ilusões, dolorosas,
de verme paralisado por forças que não entende:
“não! não! é só um sonho!
a realidade
está lá fora, ao sol triunfante,
nas avenidas e nos cafés vazios,
na afonia suprema das dez horas da manhã,
nu m dia como os outros, com a sua cruz!”

O meu amigo com queixo de papa, o meu
amigo de olhos de avelã. ..
os meus queridos amigos do Norte
escolhidos por afinidades electivas doces como a vida ,
─ estão ali, ao sol.

A Elsa, com a sua loura dor,
— corcel ferido, caído,
sangrando — também lá está.

E a minha mãe está junto de mim...
mas para além de qualquer limite temporal:
somos dois sobreviventes num só.
Os seus suspiros, aqui, na cozinha,
o seu desassossego a cada sombra de notícia degradante,
cada suspeita de reinvestida
do ódio dessa horda de goliardos que riem
por baixo deste quarto onde agonizo
— são apenas o que na minha solidão é natural.

Como uma rainha atirada para a fogueira com o seu rei,
ou sepultada com ele
um túmulo que se vai como um batel
rumo aos milénios — a fé dos Anos Cinquenta
está aqui, comigo, já levemente para lá dos limites do tempo,
deixar-se também esboroar
pela paciência raivosa dos grãos azuis do mar.

E...
os meus amores de sensualidade pura,
repetidos nos vales sagrados da luxúria,
sádica, masoquista, as calças
com o inchaço morno
que marca o destino de um homem
─  são atos que cumpro a sós
no meio de um mar incrivelmente revolto.

Lentamente, os milhares de gestos sagrados,
a mão sobre o inchaço morno,
os beijos, sempre em bocas diferentes,
cada vez mais virgens,
cada vez mais próximas do encanto da espécie,
da norma que faz dos filhos ternos pais,
lentamente
foram-se transformando em monumentos de pedra
que aos milhares povoam a minha solidão.

Esperam
que uma nova vaga de racionalidade,
ou um sonho sonhado no fundo de outro sonho, fale deles.
Assim acordo,
mais uma vez:
e visto-me, sento-me à mesa de trabalho.
A luz do sol é já mais madura,
os vendedores ambulantes estão mais longe,
é mais acre, nos mercados do mundo, a tepidez das verduras,
ao longo das avenidas de inexprimível perfume,
na orla dos mares, nos sopés dos vulcões.
O mundo todo trabalha, na sua época futura.

Ah, belas bandeiras dos Anos Quarenta!
Pretexto para o bobo chorar.

Pier Paolo Pasolini nasceu a 5 de março de 1922 em Bolonha. Sua estreia na literatura acontece com a poesia, gênero que cultivará ao longo de sua carreira, marcada ainda pelo trabalho na prosa (ensaio, novela, romance), no teatro e nas artes plásticas, sobretudo no cinema. Foi brutalmente assassinado na madrugada do dia 1º para 2 de novembro em 1975, em Roma.



* A partir da tradução portuguesa de Maria Jorge Vilar de Figueiredo.


terça-feira, 29 de setembro de 2015

Dois poemas de Armando Silva Carvalho



SEM CABEÇA

Até mesmo a manhã custa a perceber.
É como se alguém me decepasse a cabeça a meio da noite
e as horas se enganassem à volta do meu pescoço.

É fácil retratar uma degolação poética
em tempos de barbárie
tecnológica.

Afinal acordei no meio de gente ainda com cabeça
e eu sou aquele avô que os media
sempre ensinam.

Desgraçados dos tais
vestidos de amarelo para melhor serem vistos
com a faca viva encostada à garganta.

Comecei com a manhã imprecisa
meio cego a procurar um verso meu no meio da bruma
com a delicada nervosa faca de papel.

O mundo é um globo de gente ajoelhada,
de cabeças suspensas. E eu ao sair, só, do sono,
decapito o poema.


A ÁGUA

Com as duas mãos em concha prendo a água.
Fixo a água decepada
da parede.
Estou curvado para a água, criteriosa e diária,
amanhecido e só.

Que fala labiríntica
vai correndo desta água doméstica,
tão novo e tão antiga nos tubos do coração, nestes dedos gelados
      do tempo,
água que floresceu nos meus olhos molhados
de outra água
que gota a gota como um pão obediente e líquido
inunda agora
as mil formigas cegas da memória?

Devagar vou beijando esta água que esplandece nas veias arqueadas,
pontas de fogo nas mãos,
relevos de outros luxos vulcânicos,
hoje regatos de pedra, testamentos, no silencioso acordar
da casa adormecida.

Estou só entre estas mãos, a água e o meu passado.
Gostava que a idade fosse o espelho
que convertesse a água num filme recuperado
e os actores de riso mudo corressem
ao entendimento de heraclito.

Nas mãos dos deuses
se coloca a estrita criatura que professa a água.
Há um rancor que se solta da prosa
e da sanita.
A pobreza do corpo e o seu alívio são o sermão da montanha,
o rato ridículo do seu pequeno mundo.


terça-feira, 22 de setembro de 2015

Três poemas de Fernando Echevarría



AMOR À VISTA

Amor à Vista
Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!... 


FELIZES

Felizes. Porque, ao fundo de si mesmos,
cheios andam de quanto vão pensando.
E, disso cheios,
nada mais sabem. Dão para aquele lado
onde o mundo acabou, mas resta o eco
de o haverem pensado até ao cabo
e irem agora criar o movimento
que subsiste no tempo
de o mundo ainda estar a ser criado.
Por isso são felizes. Foram sendo
até, perdido o tempo, só em memória o estarem
                                                                      [habitando.

QUALQUER COISA DE PAZ 

Qualquer coisa de paz. Talvez somente
a maneira de a luz a concentrar
no volume, que a deixa, inteira, assente
na gravidade interior de estar.

Qualquer coisa de paz. Ou, simplesmente,
uma ausência de si, quase lunar,
que iluminasse o peso. E a corrente
de estar por dentro do peso a gravitar.

Ou planalto de vento. Milenária
semeadura de meditação
expondo à intempérie a sua área

de esquecimento. Aonde a solidão,
a pesar sobre si, quase que arruína
a luz da fronte onde a atenção domina.

Fernando Echevarría nasceu em 26 de fevereiro de 1929.  Publicou seu livro de estreia em 1956, Entre dois anjos. Viveu em França, onde se aproximou dos círculos oposicionistas portugueses aí exilados; daí envolveu-se em vários movimentos de luta revolucionária contra o regime militar português. Só regressou a Portugal depois do 25 de abril. Escreveu ainda títulos como Tréguas para o amor (1958), Sobre as horas (1963) e Ritmo real (1971). Premiado reiteradas vezes, com galardões como o Prêmio Pen Clube, Grande Prêmio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores e Prêmio Nacional de Poesia António Ramos Rosa.   

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Três poemas de "O livro das semelhanças", de Ana Martins Marques



[HÁ ESTES DIAS EM QUE PRESSENTIMOS NA CASA]

Há estes dias em que pressentimos na casa
a ruína da casa
e no corpo
a morte do corpo
e no amor
o fim do amor
estes dias
em que tomar o ônibus é no entanto perdê-lo
e chegar a tempo é já chegar demasiado tarde
não são coisas que se expliquem
apenas são dias em que de repente sabemos
o que sempre soubemos e todos sabem
que a madeira é apenas o que vem logo antes
da cinza
e por mais vidas que tenha
cada gato
é o cadáver de um gato


AMOR NÃO FEITO

No centro do que me lembro ficou
o amor não feito
o que não foi rói o que foi
como a maresia

casa onde não morei país invisitado
praia inacessível avistada do alto
o que fazer do desejo
que não se gastou?

alegria não sentida amor não feito
prazer adiado sine die
palavra recolhida como um cão
vadio gesto interrompido beijo a seco

como parece banal agora
o que o barrou
compromissos decência covardia
não foi nada disso que ficou

mas precioso aceso
e perfeito
restou o desejo do amor
não feito


O QUE EU SEI

Sei poucas coisas sei que ler
é uma coreografia
que concentrar-se é distrair-se
sei que primeiro se ama um nome sei
que o que se ama no amor é o nome do amor
sei poucas coisas esqueço rápido as coisas
que sei sei que esquecer é musical
sei que o que aprendi do mar não foi o mar
que só a morte ensina o que ela ensina
sei que é um mundo de medo de vizinhança
de sono de animais de medo
sei que as forças do convívio sobrevivem no tempo
apagando-se porém
sei que a desistência resiste
que esperar é violento
sei que intimidade é o nome que se dá
a uma infinita distância
sei poucas coisas


terça-feira, 8 de setembro de 2015

Dois poemas de Rudyard Kipling



SE 

Se não perdes a cabeça e o tempo é tal 
Que a loucura inflama todos contra ti; 
Ou, caindo no descrédito geral, 
Sem melindres continuas crendo em ti; 
Se consegues sem desânimo esperar, 
Sem rancores com rancores rebater 
Nem mentiras com mentiras rechaçar, 
Sem com isso sábio ou santo querer ser; 

Se liberto da ilusão podes sonhar 
E pensar sem chafurdar no pensamento; 
Se ao sucesso e ao insucesso sabes dar 
Sempre o mesmo indiferente tratamento; 
Se consegues suportar que tuas idéias 
Virem lábia de patifes contra os tolos; 
Ou se a queda de tua obra mal pranteias 
E começas a reerguer os teus tijolos; 

Se consegues apostar tudo que tens, 
Em uma única cartada, e então perder, 
Sem jamais chorar à míngua de teus bens 
Nem diante o recomeço esmorecer; 
Se consegues coração, nervos e músculos 
Empenhar além da força que te assiste, 
Até nada mais restar senão, minúsculos, 
Os apelos da vontade, que persiste; 

Se não perdes entre a plebe a distinção 
E, entre reis, um certo quê de popular; 
Se consegues dar as mãos – co’s pés no chão – 
E inimigos – ou amigos – enfrentar; 
Se, segundo por segundo, os teus minutos 
Dão à volta do ponteiro honesto trilho, 
Tua é a terra inteira e todos os seus frutos 
E, acima de tudo, és um homem, meu filho.



O CONTO DE URIAS 

“Havia em uma cidade dois 
homens; um rico e outro pobre.”

JACK BARRETT foi a Qüetta
A rufo de tambor. 
Com três partes do soldo 
Em Shimla deixou Lenore. 
Tombou tão pronto em Qüetta, 
Que nem viu de outubro a cor. 
Jack Barrett foi a Qüetta, 
Sem justa explicação, 
Estranha transferência 
No mais belo da estação. 
Partiu era setembro, 
E morreu de supetão. 

Jack Barrett foi a Qüetta, 
E lá se despediu, 
Lutando por dois homens 
No “bom posto” que assumiu. 
Lenore vestiu-lhe luto, 
Mas penúria nunca viu. 

Jack Barrett hoje em Qüetta 
Inânime se espraia, 
Mas quem apostaria 
Que em espírito não saia 
A perguntar por que 
O arrancaram do Himalaia? 

E quando o 
Toque do Clarim 
Ecoe sobre o Harnai, 
E o Livro Negro da Chacota 
Enfim revele o guai, 
Se a cova que devora a carne 
O espírito propele, 
De quem mandou 
Jack Barrett lá 
Eu não desejo a pele.

* As traduções apresentadas aqui são de Gil Pinheiro e foram copiadas da edição n.5 dos Cadernos de Literatura em Tradução.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Dois poemas de Ted Hughes



FIDELIDADE 

Era um lugar para viver. Andava
só a ver passar o tempo, a namorar-te,
a flutuar na maré da manhã com as confusas sensações
dos meus vinte e cinco anos. Esvaziada e redecorada
À la mode, a Alexandra House
tinha-se tomado a sopa dos pobres. Estes eram os dias
anteriores à moda vanguardista dos cafés.
A ruidosa cantina do Restaurante Britânico,
uma das marcas deixadas pela guerra,
era um lugar para retemperar noitadas com pequenos-almoços.
Mas a Alexandra House era o lugar onde se ia para ser visto.
As raparigas que recebiam viviam no andar de cima,
acompanhadas por um grupo de perdidos, pessoas que só
  dormiam de dia,
exaustos de andarem pela noite. Nem sei como
consegui um colchão ali, num quarto do andar de cima,
com vista para Petty Cury. Um colchão
sem mais, em cima de umas tábuas nuas, num quarto vazio.
Era tudo o que eu tinha, o meu caderno e aquele colchão.
Sob os pegajosos ouriços dos castanheiros que se abriam,
pelo mês de Junho, abandonei o emprego, preocupava-me
só contigo, esbanjando tudo o que tinha poupado.
Livre da Universidade perdia-me
nas suas liberdades. Todas as noites
dormia naquele colchão, debaixo de uma manta,
com uma rapariga encantadora, que acabava de se escapar
ao marido para aquela experiência limite
de servir na sopa dos pobres. Que
cavalheirismo se apoderou de mim? Penso nisto tudo
como se tivesse acontecido num tempo que nunca passou,
que nunca usei, e ainda está, portanto, em meu poder.
Essa rapariga e eu dormimos nos braços um do outro,
nus e tranquilos como amantes, todas as noites, durante um mês,
sem nunca termos feito amor. Uma qualquer lei sagrada
tinha sido inventada só para mim.
Mas também ela lhe obedecia, como uma sacerdotisa,
delicada e meiga e completamente nua a meu lado.
Seguia com o dedo os arranhões que tu tinhas acabado
  de inscrever
a toda a largura das minhas costas, e até parecia que se queria
  juntar a mim
na minha obsessão, na minha concentração,
para manter a minha preocupação intacta.
Nem uma única vez me convidou, nunca tentou nada.
E eu nunca movi um dedo para além
de um consolo fraterno. Eu era como uma irmã,
e aquilo nunca me pareceu antinatural. Estava absorto,
tão fechado em ti, de uma forma tão cega,
que tudo o que não fosses tu não existia para mim.
E ainda hoje medito — embora já tenha dúvidas
se é motivo para me orgulhar, ou para me lamentar. A sua amiga
tinha um quarto maior, e era mais selvagem.
Mudámo-nos e ficámos no quarto dela. Aquele quarto enorme
transformou-se em dormitório e em quartel-general
alternativo a St Botolph’s. Bonita e roliça,
com um desenvergonhado riso de dentes ralos, esta
  sua amiga
fez tudo o que pôde para me ter dentro dela.
E nunca saberás da batalha
que eu travei para manter o sentido às minhas palavras,
no mundo que nós estávamos a construir.
Eu tinha medo que, se perdesse aquela luta,
alguma coisa nos abandonasse. Erguendo do solo uma
daquelas raparigas nuas, enquanto elas me sorriam
nos seus vinte e poucos anos, coloquei-as
no limiar do nosso improvável futuro
como aqueles que, precisando de proteger a sua casa
tinham por hábito sepultar, no limiar da nova casa,
uma criança inocente.


UM SONHO

O teu pior sonho
tornou-se realidade: aquele toque à campainha ─
não um simples acaso num milhão
mas o meteorito, caído pela nossa chaminé abaixo,
com o nosso nome gravado.

Não são os sonhos, disse eu, mas as estrelas fixas
que governam a nossa vida. A ânsia do ser inteiro,
inexorável, como uma pessoa a dormir absorvendo
ar para dentro dos pulmões. Tiveste de erguer
a tampa do caixão uma polegada.
No teu sonho ou no meu? Estranha caixa de correio.
Retiraste o envelope. Era
uma carta do teu pai. "Cheguei.
Posso ficar contigo?" Eu não disse nada.
Para mim, um pedido era uma ordem.

Depois veio a Catedral.
Chartres. Seja como for tínhamos chegado a Chartres.
Não era a primeira vez que lá ias.
Recordo pouco mais
que um jarro bretão. Encheste-o
com tudo o que tínhamos. Até ao último franco.
Disseste que era para a tua mãe.
Esvaziaste o nosso oxigénio
para dentro daquele jarro. Chartres
(isto consegui salvar)
ficou suspensa no teu rosto, uma mantilha,
escurecida, um rendilhado carbonizado ─
como depois de um incêndio. Como uma enfermeira,
cuidaste do que restava do teu pai.
Vertendo as nossas vidas para fora daquele jarro
no seu pequeno-almoço. Depois partiste-o,
fizeste-o em bocados, estrelas grosseiras,
e deste-os à tua mãe.

"Quanto a ti", disseste-me, "dou-te autorização
para te lembrares deste sonho. E para pensares nele."

Ted Hughes nasceu a 17 de agosto de 1930 em Yorkshire. Autor de vasta obra que cobre criações na prosa (ensaio, literatura infantil) e na poesia, destacando-se nesse gênero como um dos mais importantes nomes na literatura inglesa do século XX. Sua estreia na literatura começa especificamente pela poesia com a publicação, em 1957, de The Hawk in the Rain; quase três décadas mais tarde, o livro Birthday Letters, leva o poeta a figurar entre os ganhadores do Forward Poetry Prize, o T. S. Eliot Prize e o British Book. Morreu em Londres, a 28 de outubro de 1998.



* Traduções de Manuel Dias, em Cartas de aniversário.