domingo, 10 de maio de 2015

Três poemas de Carlos Nejar



DE COMO A TERRA E O HOMEM SE UNEM

Fica a terra, passa o arado,
mas o homem se desgasta;
sangra o campo, pasce o gado,
brota o vento de outro lado
e a semente também brota.
Fica a terra, passa o arado
e o trabalho é o que nos passa,
como nome, como herança;
fica a terra, a noite passa. 

A semente nos consome, 
mas a terra se desgasta. 

2. 

Que será do novo homem 
sobre a terra que vergasta ?
Sangra a terra, pasce o gado
e o trabalho é o que nos passa. 

Vem o sol e cava a terra; 
a semente é como espada.
Há uma noite que nos gera
quando a noite é dissipada. 

Vem a noite e cava a terra; 
vem a noite, é madrugada. 

3. 

O homem se desgasta, 
sopro misturado
ao sopro rijo do arado.
Vai cavando. 

Madrugada sai da terra, 
como um corpo se entreabre
para o orvalho e para o trigo. 

O homem vai cavando, 
vai cavando a madrugada. 


ASSENTADA

Chega a esta casa
sem prazo ou contrato.
Faze de pousada
as salas e quartos.
Os nossos arreios
ninguém os desata
com ódio e receios.

O tempo não sobe
nas suas paredes;
secou como um frio
nos beirais da sede;
calou-se nos mapas,
na plácida aurora,
nos pensos retratos.

Entra nesta casa
que é tua e de todos,
há muito deixada
aberta aos assombros.

Entra nesta casa
tão vasta que é o mundo,
pequena aos enganos,
perdida, encontrada.
Os dias, os anos
são palmos de nada.


POEMA DA DEVASTAÇÃO

Há uma devastação
nas coisas e nos seres,
como se algum vulcão
abrisse as sobrancelhas
e ali, sobre esse chão,
pousassem as inteiras
angústias, solidões,
passados desesperos
e toda a condição
de homem sem soleira,
ventura tão curta,
punição extrema.

Há uma devastação
nas águas e nos seres;
os peixes, com seus viços,
revolvem-se no umbigo
deste vulcão de escamas.

Há uma devastação
nas plantas e nos seres;
o homem recurvado
com a pálpebra nos joelhos.
As lavas soprarão,
enquanto nós vivermos. 

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