terça-feira, 22 de setembro de 2015

Três poemas de Fernando Echevarría



AMOR À VISTA

Amor à Vista
Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!... 


FELIZES

Felizes. Porque, ao fundo de si mesmos,
cheios andam de quanto vão pensando.
E, disso cheios,
nada mais sabem. Dão para aquele lado
onde o mundo acabou, mas resta o eco
de o haverem pensado até ao cabo
e irem agora criar o movimento
que subsiste no tempo
de o mundo ainda estar a ser criado.
Por isso são felizes. Foram sendo
até, perdido o tempo, só em memória o estarem
                                                                      [habitando.

QUALQUER COISA DE PAZ 

Qualquer coisa de paz. Talvez somente
a maneira de a luz a concentrar
no volume, que a deixa, inteira, assente
na gravidade interior de estar.

Qualquer coisa de paz. Ou, simplesmente,
uma ausência de si, quase lunar,
que iluminasse o peso. E a corrente
de estar por dentro do peso a gravitar.

Ou planalto de vento. Milenária
semeadura de meditação
expondo à intempérie a sua área

de esquecimento. Aonde a solidão,
a pesar sobre si, quase que arruína
a luz da fronte onde a atenção domina.

Fernando Echevarría nasceu em 26 de fevereiro de 1929.  Publicou seu livro de estreia em 1956, Entre dois anjos. Viveu em França, onde se aproximou dos círculos oposicionistas portugueses aí exilados; daí envolveu-se em vários movimentos de luta revolucionária contra o regime militar português. Só regressou a Portugal depois do 25 de abril. Escreveu ainda títulos como Tréguas para o amor (1958), Sobre as horas (1963) e Ritmo real (1971). Premiado reiteradas vezes, com galardões como o Prêmio Pen Clube, Grande Prêmio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores e Prêmio Nacional de Poesia António Ramos Rosa.