segunda-feira, 26 de setembro de 2016
Um poema de Rudolf Otto Wiemer (1905-1998)
quantificadores indefinidos
todos sabiam
muitos sabiam
diversos sabiam
vários sabiam
alguns sabiam
poucos sabiam
ninguém sabia
unbestimmte zahlwörter
alle haben gewußt
viele haben gewußt
manche haben gewußt
einige haben gewußt
ein paar haben gewußt
wenige haben gewußt
niemand hat gewußt
* Tradução de Rosvitha Blume e Markus Weininger
sexta-feira, 16 de setembro de 2016
Quatro poemas de Leopoldo María Panero
O SUPLÍCIO
A febre se
parece com Deus
A loucura: a
última oração.
Longo tempo
bebi de um estranho cálice
de álcool e
fezes
e vi na maré
da taça os peixes
atrozmente
brancos de sonho.
E ao
levantar a taça, digo
a Deus, te
ofereço este suplício
e esta hóstia
nascida do sangue
que todos
olhos mana
como
ordenando-me a beber, como ordenando-me morre
para que no
fim seja ninguém
seja igual a
Deus.
O ANTICRISTO
(SEBASTIÃO NO SONHO)
No Metrô vi
um homem grandiosamente belo
que olhava
os homens como quem olha um peido
na rua vi um
homem escandalosamente bonito
que tinha na
testa o sinal de justiça,
o Branco 5,
o Branco número
que dividiu
os céus.
No espelho
escuro
de um bar
onde acreditavam,
alguns que
viviam, havia já um Desperto
que olhava a
cena como se existira.
CANÇÃO PARA
UMA DISCOTECA
Não temos fé
no outro
lado desta vida
só espera o
rock and roll
diz a caveira
que há entre minhas mãos
dança, dança
o rock and roll
para o rock
o tempo e a vida são uma miséria
o álcool e o
haxixe não dizem nada da vida
sexo, drogas
e rock and roll
o sol não brilha
pelo homem,
o mesmo que
o sexo e as drogas;
a morte é a cona
do rock and roll.
Dança até
que morte te chame
e diga
suavemente entra
entra no
reino do rock and roll.
DEDICATÓRA
Muito além
de onde
ainda se esconde
a vida, há
um reino, se
cultiva
como um rei
sua agonia,
floresce como
um reino
a suja flor
da agonia:
eu que me
prostituí totalmente, ainda posso
prostituir
minha morte e fazer
do meu cadáver
o último poema.
* Tradução de Pedro Fernandes de O. Neto
sexta-feira, 9 de setembro de 2016
Dois poemas inéditos de Julio Cortázar encontrados entre anotações de sua biblioteca
CLANDESTINO
A canção era
assobiada pelo marinheiro na proa
e do vento passou
aos lábios do grumete na despensa
repetindo-se,
mais aguda, até o poente onde uma passageira
a reteve
entre os dedos como um vilão,
deixando-a
flutuar, titubeante,
em busca de
alguém que soubera alçá-la do silêncio que espreitava.
Fui eu quem
veio salvá-la do lago em que se afogava
e a deixei
seguir até o tripulante de boina azul
que agarrado
a um mastro jogava ao urso;
através dele
nasceu outra vez, grave e segura,
e já nada
deteve sua ronda até à popa
onde um
marinheiro de rosto adormecido a susteve um segundo.
(Ai, ai,
ai, ai,
canta e não
chores)
E a deixou
partir, última bolha misturando-se ao pavão furioso da estrela.
Provence,
18/10/57
* Poema encontrado na última página da edição de Mimesis, de Eric Auerbach, publicada em 1950 pelo Fundo de Cultura Econômica.
MENSAGEM A UMA RAINHA
Majestade:
mãos numerosas passeiam
Ao redor de
teu esplêndido palácio
Alimentando-se
de palavras
E cornucópias
de onde saem leis mastigáveis
E fitas
amarelas
Tudo está tão
velho quando nasce!
Por quem és
rainha, por quem jogas
Ao soltar o
macramé de um tempo pegajoso
Enquanto te
pintam unha a unha as cutículas
E os mendigos,
em ação de graças,
Enchem um chapéu
de retalhos manchados
Que o camareiro
te trará entre reverências
Sob a forma
de um Te amamos, Rainha,
Que vivas
muitos Anos, hurra hurra
* Poema encontrado na última página de um folheto de Claude-Edmonde Magny.
•
Julio Cortázar nasceu a 26 de
agosto de 1914 em Ixelles, na Bélgica. Sua obra, uma das mais importantes no
âmbito da literatura latino-americana, se destaca pela inovação criativa e
formal no trato narrativo. Ficou reconhecido pela publicação de vários títulos
em prosa curta, como Histórias de cronópios e famas (1964). Seu livro
mais lembrado é Rayuela (1963). Vez ou outra, se aventurou na poesia, gênero,
aliás, que marcou sua estreia em livro na literatura: em 1938, sob o pseudônimo
de Julio Denis publicou um livro de sonetos intitulado Presencia; quase
quatro décadas mais tarde, em 1971, publica Pameos y meopas e, em 1984, Salvo
el crepúsculo. Cortázar morreu em Paris, onde viveu extensa parte de sua
vida, a 12 de fevereiro de 1984.
** Traduções de Pedro Fernandes.
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