sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Três poemas de Rubén Darío



VISÃO

Atrás da misteriosa selva estranha
vi que se levantava ao firmamento,
perfurada e lavrada, uma montanha,

que pousava na sombra o fundamento.
E na montanha estava o ninho erguido
do trovão, do relâmpago e do vento.

Dentre os seus arcos negros o rugido
se ouvia do leão, e, qual escura
catedral de algum deus desconhecido,

aquela fabulosa arquitetura
formada de prodígios e visões,
visão monumental, me deu tremura.

A seus pés habitavam os leões;
suas torres e flechas de ouro fino
se juntavam com as constelações.

E havia um vasto domo diamantino
onde se alçava um trono extraordinário
sobre sereno fundo azul marinho.

Ferro e pedra primeiro, e mármore pário
depois, e ao alto mágicos metais.
Uma escada subia ao santuário

divino. Os esplendores siderais
as divisões da escada repartidas
de três em três banhavam. Colossais

águias co'as grandes asas estendidas
contemplavam-se ao centro de estelar
atmosfera de luzes e de vidas.

E numa palidez de ouro lunar
uma alva pomba as álulas batia,
pérola alada em misterioso mar.

A montanha lavrada parecia
por algum Piranesi arquipotente,
babélico. Em seus flancos dir-se-ia

que houvera cinzelado o bloco ingente
o raio; e no alto, enfim, enorme friso
um áureo beijo recebia ardente,

beijo de luz de aurora e paraíso.
E eu na sombra gritei: -Em que lugares
hoje vaga minha alma?- De improviso,

entre cítricas flores, e colares
de branquíssimas rosas, surge Estela,
a única que habita os meus cantares.

E disse-me com voz de filomela:
— Não temas, não: no reino estás da lira
de Dante; e a pomba que revoa bela

na luz é Beatriz. Aqui conspira
tudo ao supremo amor e alto desejo.
Aqui chega o que adora e o que admira.

— E aquele trono, disse-lhe, que vejo?
— Nele, entre louros, é que a glória assenta
O gibelino Orfeu. — E aquém do adejo,

abaixo, é onde dorme a tormenta.
É onde o lobo e o leão por entre o escuro
acendem a pupila, qual violenta

brasa. E o vasto e misterioso muro
é de pedra e de ferro; essas arcadas
do meio são de mármore; de ouro puro

a parte superior, onde em gloriosas
albas eternas se abre ao infinito
a sacrossanta Flor, Rosa das rosas.

— Oh, bendito o Senhor! — clamei —; bendito,
que ao florentino arcanjo azou potência
para tal mundo de mistério escrito

com língua humana e sobre-humana ciência
deixar, e criar estranho império eterno
e esse trono de rútila eminência,

ante o qual abismado me prosterno.
E feliz quem ao Céu a alma levante
pelos férreos degraus de seu Inferno!

E ela: — Que este prodígio diga e cante
a tua voz.- E eu: — Pelo amor humano
eis que chego ao divino. Glória ao Dante!

Ela, em ato de graça, o voo arcano
das águias me apontando na lonjura,
ascendeu como um lírio soberano

até Beatriz, pomba da etérea altura.
Brancas marcas no azul deixava, e vê-las
a minha alma consola e transfigura.

E vi que me fitavam as estrelas!


COLÓQUIO DOS CENTAUROS

A Paul Groussac

Na ilha em que conserva seu esquife o argonauta
do imorredouro Sonho -Ilha de Ouro, em que à pauta
das liras eternais se escuta o fluir canoro,
em que o tritão levanta seu caracol sonoro
e onde a sereia branca vai ver o sol-, um dia,
se ouve um tropel vibrante de força e de harmonia.

São os Centauros. Cobrem a planície, e os pressente
a montanha. De longe, formam sons de torrente
que tomba; seu galope a aragem preguiçosa
desperta, e faz tremer a folha ao louro-rosa.

São os Centauros. Uns, enormes, rudes; outros
alegres, saltitantes — adolescentes potros;
com grandes barbas uns, assim como os pais-rios;
outros, imberbes, ágeis e de piafantes brios,
e de robustos músculos, braços e lombos, aptos
a carregar as belas, róseas ninfas nos raptos.

Vão em galope rítmico. Junto a fresca boscagem,
em frente ao grande Oceano, param. A paisagem
recebe em face, da urna matinal, luz sagrada
que o vasto azul suaviza com límpida mirada.
E ouvem seres terrestres e habitantes marinhos
o vozear dos comados quadrúpedes divinos.

* Traduções de Anderson Braga Horta


BALADA DA LINDA MENINA DO BRASIL

Existe um país encantado
N qual as horas são tão belas,
Que o tempo decorre calado
Sobre diamantes, sob estrelas.
Odes, cantares ou querelas
Se derramam pelo ar sutil
Em glória do perpétuo abril...
Pois ali a flor preferida
Para mm é Ana Margarida,
Linda menina do Brasil.

Doce, dourada e primorosa,
Infanta de lírico rei,
É uma princesa cor de rosa
Que amara a Katy Grenaway.
Buscará pela eterna lei
O pássaro azul de Tyltil,
Quando entre cantos de anafil
E harpa a aurora a viver convida,
A essa rara Ana Margarida,
Linda menina do Brasil.

          Oferta

Princesa em flor, nada na vida,
Por mais gracioso ou senhoril,
Iguala esta joia querida:
A pequena Ana Margarida,
Linda menina do Brasil!

Existe um mágico Eldorado
(E Amor como seu rei lá está),
Onde há Tijuca e Corcovado
E onde gorjeia o sabiá.
O tesouro divino dá
Ali mil feitiços e mil
Sonhos: mas nada tão gentil
Como a luz de aurora incendida
Que brilha em Ana Margarida
— A flor mais linda do Brasil.

Rubén Darío nasceu a 18 de janeiro de 1867 em Ciudad Darío, Nicarágua. Fortemente influenciado pela poesia francesa, primeiro pelos românticos, depois pelos parnasianos e por fim pelos simbolistas, sua obra é uma das mais importantes da literatura de língua espanhola. Destacou-se na poesia com títulos como Rimas, Azul e Poema do outono e outros poemas. Morreu a 6 de fevereiro de 1916 em León. 


* Tradução de Manuel Bandeira.