segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Dois poemas de Nazik Al-Malaika




LAVAR A DESONRA

Mamãe! Um estertor, lágrimas, negrume.
O sangue flui, o corpo apunhalada treme,
O cabelo ondulado se suja de barro.
Mamãe! Só se ouve o carrasco.
Amanhã virá a aurora,
As rosas despertarão
À chamada dos vinte anos
E a esperança fascinada.
As flores dos campos respondem:
Deixou-se... lavar a desonra.
O brutal carrasco retorna e diz a todos:
A desonra? – limpa seu punhal –
Despedaçamos a desonra.
De novo temos virtude, boa fama, dignos.
Taberneiro! Onde estão o vinho e os copos?
Chama essa indolente beleza de alento perfumado
Por cujos olhos dariam o Corão e o destino.
Enche teu copo, açougueiro,
A morte levou a desonra.

Ao amanhecer, as meninas perguntarão por ela:
Onde está? A besta responderá:
matamo-la. Levava na frente
o estigma da desonra
e lavamo-la.
Os vizinhos contarão sua triste história
E até as palmeiras difundirão pelo bairro,
E as portas de madeira, que não a esquecerão.
As pedras sussurrarão:
“Lavar a desonra”
“Lavar a desonra”

Vizinhas do bairro, meninas do povoado
Amassaremos o pão com nossas lágrimas,
Cortaremos nossas tranças
Descoloriremos as mãos
Para que suas roupas permaneçam brancas e puras.
Não sorriremos nem nos alegraremos nem voltaremos
Porque o punhal, na mão de nosso pai
Ou de nosso irmão, nos vigia
E amanhã, quem sabe em qual deserto
Nos enterrará para lavar a desonra?


NOTURNO

A noite desliza pelos campos,
As mãos das nuvens passam pelo horizonte
E a escuridão dorme,
Em impressionante calmaria,
Sob as asas do silêncio.

Só se ouve o arrulho das pombas,
O murmúrio gemente dos córregos
E um ruído de passos na escuridão
Que caminham suavemente.

Sento, entregando-me à calma da noite,
Contemplo a cor da triste escuridão,
Lanço meus cantos ao espaço
E choro por todos os corações ingênuos.

Ouço o sussurro das palmeiras,
A chuva que cai na noite,
Os gemidos de uma rola na escuridão
Que canta longe entre os galhos
E a queixa distante de um moinho
Que geme na noite e chora de fadiga.
Seus gritos atravessam meus ouvidos
E vai morrer por trás das colinas.

Escuto... só se ouve as plantas.
Olho... só se vê a escuridão.
Nuvens, silêncio e uma noite triste.
Como não me sentir aflita?

A vida para mim é como esta noite:
Trevas, melancolia, desesperança,
Enquanto os demais sonham com clareza
Numa profunda e impressionante noite.

Choro contínuo da natureza,
Silêncio da escuridão, gemido dos ventos,
Suspiros da brisa noturna,
Lágrimas de orvalho nos olhos da manhã.

Vejo nas ribeiras da desgraça
A multidão dos aflitos,
O cortejo dos famintos
Afugentados pelos uivos do destino,
Sem poder pronunciar palavras de despedida.

Escuto: só os soluços
Mandam seu eco aos meus ouvidos
Por detrás das fortalezas e sobre os campos.
Então, quem pode cantar comigo?

No futuro levarei minha lira,
Chorarei a desgraça do universo
E declamarei minha compaixão pelo seu infortúnio

Aos ouvidos do cruel tempo.


* Traduções de Pedro Fernandes a partir das realizadas em espanhol direto do árabe por María Luisa Prieto.