sexta-feira, 31 de março de 2017

Três poemas de Maya Angelou



AINDA ASSIM ME LEVANTO

Você pode me inscrever na história
Com as mentiras amargas que contar
Você pode me arrastar no pó,
Ainda assim, como pó, vou me levantar

Minha elegância o perturba?
Por que você afunda no pesar?
Porque eu caminho como se eu tivesse
Petróleo jorrando na sala de estar

Assim como a lua ou o sol
Com a certeza das ondas no mar
Como se ergue a esperança
Ainda assim, vou me levantar

Você queria me ver abatida?
Cabeça baixa, olhar caído,
Ombros curvados como lágrimas,
Com a alma a gritar enfraquecida?

Minha altivez o ofende?
Não leve isso tão a mal
Só porque eu rio como se tivesse
Minas de ouro no quintal

Você pode me fuzilar com palavras
E me retalhar com seu olhar
Pode me matar com seu ódio
Ainda assim, como ar, vou me levantar

Minha sensualidade o agita
E você, surpreso, se admira
Ao me ver dançar como se tivesse
Diamantes na altura da virilha?
Das choças dessa história escandalosa
Eu me levanto
De um passado que se ancora doloroso
Eu me levanto
Sou um oceano negro, vasto e irrequieto
Indo e vindo contra as marés eu me elevo
Esquecendo noites de terror e medo
Eu me levanto
Numa luz incomumente clara de manhã cedo
Eu me levanto
Trazendo os dons dos meus antepassados
Eu sou o sonho e as esperanças dos escravos
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto

* Tradução de Francesca Angiolillo. Publicado inicialmente na Folha de São Paulo.


ROSTOS

Rostos e mais se lembram
depois rejeitam
os dias marrom caramelo da juventude.
Rejeitam a teta chupada de sol das
manhãs de infância.
Furam canos de arma no olhar paralisado de fé de uma boneca predileta.
Inspira, Irmão,
e desloque o ódio do momento com amor organizado.
Um poeta grita “CRISTO ESPERA NO METRÔ!”
Mas quem que vê?


HOMENS

Quando eu era nova, tinha por hábito
Observar por trás das cortinas
Homens que subiam e desciam a rua. Os homens da manguaça, os homens de idade.
Homens moços afiados feito mostarda.
Veja. Os homens estão sempre
Indo a algum lugar.
Sabiam que eu estava lá. Quinze
Anos e faminta por eles.
Sob minha janela, eles paravam,
Os ombros altos como os
Peitos de uma moça,
A cauda dos casacos batendo
Naqueles traseiros,
Homens.
Um dia eles te seguram nas
Palmas das mãos, gentis, como se você
Fosse o último ovo cru do mundo. Então
Te apertam. Só um pouco. O primeiro
Aperto é bom. Um abraço rápido.
Suave na sua fraqueza. Um pouco
Mais. A dor começa. Arranca um
Sorriso que contorna o medo. Quando o
Ar desaparece,
A mente estoura, explodindo com violência, breve,
Como a cabeça de um fósforo. Estilhaçada.
É o seu sumo
Que escorre pelas pernas deles. Mancha os sapatos.
Quando a terra se põe outra vez no lugar,
E o gosto tenta voltar à língua,
Seu corpo já se fechou. Para sempre.
Chave nenhuma existe.

Então a janela se cerra toda sobre
Sua mente. Lá, além
Do balanço das cortinas, os homens caminham.
Sabendo algo.
Indo a algum lugar.
Mas desta vez eu vou só
Ficar aqui e observar.

Talvez.


* Traduções de Adriano Scandolara. Publicado inicialmente no blog Escamandro.