segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Dois poemas de Umberto Saba



ULISSES

Na minha juventude naveguei
ao longo das costas da Dalmácia. Ilhéus
à flor das ondas emergiam, onde raro
uma ave buscava a sua presa,
cobertos de algas, escorregadios, ao sol
belos como esmeraldas. Quando a noite
e a maré alta os ocultavam, as velas
sob o vento o largo demandavam,
para fugir da cilada. Hoje o meu reino
é essa terra de ninguém. No porto
acendem-se as luzes para outros; a mim para o alto mar
me leva ainda o não domado espírito,
e da vida o doloroso amor.


MELRO

Existia aquele mundo ao qual em sonhos
regresso ainda; que em sonhos me abala?
Claro que existia. E uma boa parte dele eram
minha mãe e um melro.

A ela mal a vejo. Mais o negro ressalta
e o amarelo de quem ledo me saudava
com seu canto (era isto o que pensava)
a mim que o ouvia da rua. Minha mãe
sentava-se, estafada, na cozinha. Cortava
só para ele (era isto o que pensava)
e para o meu jantar a carne. Nada
que visse ou que ouvisse tanto o excitava.

Entre uma criança engaiolada e um insectívoro,
que os pequenos vermes arrancava à sua mão,
naquela casa, nesse mundo de então,
havia um amor. Havia também um equívoco.

Umberto Saba nasceu em Triste a 9 de março de 1883. Escreveu prosa, sobretudo romances, e poesia, matéria centrada, como destaca a crítica, na busca persistente de uma perfeição e coerência formais com que cobrir a aspereza do vivido do sentido. Morreu no dia 25 de agosto de 1957 em Gorizia. 

* Tradução de José Manuel de Vasconcelos